Ermelindo Maffei: simplesmente humano

Lucas Teles Ianni

Humano, sim. Com toda certeza. Humano, no sentido lato e também positivo da palavra: uma pessoa dotada de humanidade; “gratuita” (hoje em dia, algo raro de se encontrar nas pessoas). Já dizia Einstein que “se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível.” Todavia, não é o caso do nosso homenageado; se estivesse vivo completaria, em 2007, cem anos de uma longa, intensa e inquietante existência. Humanidade significa aqui clemência, benevolência, voluntariado, amor ao próximo. Mais que isso, Maffei tinha aquilo que um professor nosso da faculdade chamava de... “fé antropológica”, trocando em miúdos, ele depositava todas as suas esperanças, verdadeiramente, nos seus semelhantes (principalmente os menos favorecidos, excluídos, marginalizados, discriminados, anônimos, os mais “frágeis”), os quais passamos por um constante aprendizado (um progresso) de si mesmos no que diz respeito ao viver e conviver em sociedade (difícil aprendizado para eles!), esta, de acordo com Ermelindo Maffei, deveria estar alicerçada nos valores universais (fazendo alusão ao ideário da Revolução Francesa) de igualdade, fraternidade, justiça social, liberdade. Enfim, Maffei era um autêntico idealista. Acreditava no poder de transformação social do próprio homem, a partir de uma consciência coletiva sobre a realidade material histórica que, posta em prática, mudaria plenamente as estruturas de nossa sociedade.

Pois bem, sem mais delongas, comecemos a prosear acerca de nossa personalidade em questão. Ermelindo Maffei nasceu aos 26 de novembro de 1907, na cidade de Itu; vindo de uma família simples e humilde, seus progenitores – Gabriel Maffei (este sapateiro) e Maria Rosatti Maffei – era o primeiro de nove irmãos, a saber: Ermelindo, Eduardo, Amanda, Visvaldo, Yolanda, Herculina, Elvira, Reinaldo e Lourival. Era casado com Escolástica dos Santos Maffei (esta, afro-descendente, não era completamente aceita na família de seu esposo, sobretudo pelo irmão Eduardo) e deixou três filhos (Eunice, Sônia e Valdemir).  

Maffei estudou, entre dificuldades inúmeras, tanto financeiras quanto pela deficiência que Itu teve de escolas, após o fechamento do renomado Colégio São Luis.

Praticamente, foi um autodidata, visto que, mediante custosos estudos preparatórios, realizados com professores particulares, prestava exames anuais em escolas estaduais raras na época. Foi aluno do então Grupo Escolar “Cesário Mota”, prédio que abriga hoje o Espaço Cultural “Almeida Júnior” e ainda a Secretaria Municipal de Cultura.

Mais tarde, no ano de 1927, ingressou, na tradicional e histórica Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que, até então pertencente à União, a partir de 1934, passou a integrar à Universidade de São Paulo. E, em 26 de setembro de 1931, colou grau, fazendo parte da centésima turma, constituída por 154 bacharéis. Durante os anos de graduação, assumiu o cargo de redator-chefe do jornal do centenário Centro Acadêmico “XI de Agosto”. Ligado a este havia, desde 1919, o Departamento Jurídico, entidade responsável por prestar assistência jurídica gratuita à população.   
        
Em seus tempos de universitário, também colaborou na imprensa paulistana escrevendo para os jornais “O Estado de São Paulo”, “Jornal do Comércio”, “A Cigarra”. Ademais, o aluno-mestre lecionava aulas particulares para o sustento próprio.

Trabalhou em uma pioneira revista de sociologia, tratando de assuntos sociológicos com muita capacidade.

Em Itu, entre os vários periódicos nos quais militou, destacam-se “Comarca de Itu”, em 1932, onde ocupou o cargo de diretor, tendo como companheiro o jornalista ituano Flamínio Batista Leme; “Progresso”, entre 1933 e 1937; e, por fim, foi diretor proprietário do jornal “O Liberal”. Em todas essas folhas, tratava, preferencialmente, de assuntos políticos.

Dr. Ermelindo Maffei começou a exercer a carreira de advogado nesta cidade e comarca de Itu, em outubro de 1931, e aqui permaneceu incessantemente, estendendo sua atividade profissional nesta região (Sorocaba, São Roque, Tatuí, Porto Feliz, Salto, Indaiatuba, Capivari e Tietê). 

Desde o início de sua profissão, dedicou-se às causas trabalhistas, ao estudo do Direito do Trabalho e ao Sindicalismo, muito antes de ser adotado nos cursos jurídicos. 

No campo da política nacional, promoveu a propaganda do programa da Aliança Liberal - cujas questões-chave eram trabalhismo, siderurgia e petróleo – que veio a desembocar na vitória do movimento revolucionário de 1930, o qual elevou o então presidente do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, à Presidência da República, pondo fim a denominada “República Velha” (1889-1930), dirigida pelas inúmeras alianças entre as oligarquias mais fortes e mais importantes, dentre elas estava São Paulo, representada pelo P.R.P. – Partido Republicano Paulista – sendo este constante e duramente criticado na imprensa por Ermelindo Maffei. 

Maffei teve uma participação ativa nas fundações de diversos sindicatos, colaborando para a organização de suas bases territoriais. São eles: Sindicatos dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário, da Fiação e Tecelagem, dos Metalúrgicos, das Cerâmicas e do Material Elétrico de Itu, e ainda o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem de Salto. Acerca de suas atividades político-jurídicas prestadas a essas associações de classe, chegou a dizer, em defesa delas:

“O sindicalismo, cada vez mais, está na ordem do dia. A proliferação do movimento sindicalista mostra a justeza de nossas pretensões que vêm desde tempos remotos. O sindicalismo, outra coisa não é senão uma forma ativa de organização dos trabalhadores e profissionais de todas as categorias e luta pela defesa de seus direitos.

Só através deste caminho é que se conseguiu chegar a uma legislação trabalhista justa. [refere-se, aqui, Maffei à C.L.T. (Consolidação das Leis Trabalhistas), criadas no Governo Vargas]” (Trechos do artigo “Maffei: um lutador”)

Além de sua atuação nos sindicatos, Dr. Ermelindo Maffei era um homem a serviço da população ituana, sempre pronto a contribuir e cooperar, de alguma forma, com sua sabedoria, inteligência, simplicidade, humildade e generosidade, objetivando, a todo o momento, o bem-estar – material, espiritual e intelectual - do povo.     

Certamente se deve a essa razão sua marcante presença em entidades de caráter social e cultural do nosso município, como a Sociedade Amigos da Cidade de Itu, Sociedade Amigos do Museu Republicano “Convenção de Itu”, Lar e Creche Mãezinha de Itu, Instituto de Estudos Vale do Tietê, Academia Ituana de Letras, da qual era membro, ocupando a cadeira de nº. 5, a qual tem como patrono o Senador e Conselheiro do Império Francisco de Paula Souza e Mello. E, por último mas não menos relevante, Maffei foi diretor da Sociedade Padre Bento Dias Pacheco.       

Considerado o maior incentivador e divulgador do culto à figura do Padre Bento, o “Apóstolo da Caridade”, entre a gente ituana, Ermelindo Maffei manifestava um apreço especial e sincero, aproximando-se de certa “devoção” e esse, à sua pessoa enquanto homem, provindo de uma família abastada, que se abnegou de suas fortunas, para se dedicar, como sacerdote, exclusivamente, ao tratamento dos hansenianos, passando a ter uma vida com base na simplicidade, humildade, santidade e caridade, numa época em que os lázaros eram totalmente segregados da sociedade, abrigando-se em asilos-colônias para que não houvesse a possibilidade de contágio da Hanseníase, pelo contato físico desses com as demais pessoas; as pesquisas científicas comprovam, recentemente, que isso não é possível em hipótese alguma!
        
Enfim, a exemplo do Servo de Deus, Padre Bento Dias Pacheco, Ermelindo Maffei, embora comunista convicto, lutava pelas causas humanitárias – que independem de religião devido a sua abrangência -, como podemos observar em suas palavras:

“Minhas lutas sempre visaram à justiça social sempre presente nos dias de hoje, nas legislações mundiais, nas encíclicas papais [sobretudo a Rerum Novarum, a qual trata da questão operária pela Igreja] e no próprio movimento da Igreja.” (Trechos do artigo “Maffei: um lutador”)