Carta Aberta

Ermelindo Maffei

Com surpreza, foi que recebi, dois dias atraz, a desagradavel noticia de que a diretoria da chamada Coligação Municipal cuida de interferir por mim, enviando uma representação ao sr. Secretario de Segurança Publica, com o fim de pleitear a minha liberdade.

Não posso e não devo aceitar tal interferência, embora conserve eu as melhoras relações pessoais de ordem exclusivamente pessoal com alguns de seus elementos. Se eu permanecesse calado deante dessa iniciativa, ou aceitasse o gosto dos diretores da Coligação, não me restaria mais que jogar para o rol das coisas imprestáveis todas as minhas convicções, e renegar todos os meus sentimentos, toda a fé ardente que me move na luta contra todas as fórmas da reação.

E o perrepismo é uma clara expressão dessa reação.

Deveria, então, descer eu ao fundo de minha conciência, e arrancar, de lá, tudo que pudesse haver de bom para jogar ao estereo como trapos apodrecidos. Na vida humana deve haver certos principios, ou certas diretrizes, que nos devêm guiar, com firmeza, atravez de todas contradições e todas contrariedades.

Considero a “chamada Coligação Municipal” uma mascara do perrepismo, a despeito de quererem os seus chefes desmenti-lo. Não podemos crer, prem, que os mentores da chamda Coligação municipal se hajam transformado, repentinamente, em adversários do perrepismo. A conciência humana é conservadora por natureza. Ela não se transforma de um momento para outro. Só debaixo de uma acção prolongada dos fatos exteriores, é que ela evolue. Ora, o governo Armando Salles de Oliveira é uma consequencia do movimento de 1930, que o perrepismo combate com odio e despeito. Pois o que vemos? Nas vésperas das eleições estadoais de 1934, essas mesmas figuras da chamada Coligação Municipal, que hoje apoiam o governo do Estado, combatiam a candidatura de Sales Oliveira, e o acusavam de estar ligado ao governo federal, o governo da Ditadura, e outras historiadas mais. E com que furia o combatiam!

O p.r.p. em Itu fez o jogo do oportunismo. Conservador por excelencia, não quer compreender que as forças sociais andam sempre em movimento. Para ele, ovo é ovo, e não um fenomeno de transformação de onde surgirá um ser vivo.

Ora, quasi todos os homens que estão à frente da chamada Coligação, já deram provas concretas de que descuidaram da nossa terra e do nosso povo. Comparando a vida financeira e administrativa do nosso municipio entre a época em que dominava, ditatorialmente, e a época posterior a 1930, não nos custa muito reconhecer os benefícios que teve a nossa terra, de cinco anos para cá. É uma simples questão de bom senso e justiça.

Tambem não podemos crêr que, sendo fim do “grupo de industriaes” chamado Coligação Municipal, apoderar-se da Camara para mais facilmente resolver seus negocios, vá ela realizar uma politica de interesses para o povo. Entre a politica dos grandes grupos e a politica do povo há fortes contradições. E nós combatemos, com insistencia, a politica dos homens que nada fizeram por nossa terra, quando a dominaram quarenta anos.

Ao contrario. Arrazaram as finanças, arruinaram-n’a, abandonaram-n’a. Seria preferivel que os mentores da Coligação se preocupassem menos com a minha liberade e se esforçassem mais em que houvesse uma politica de melhor assitencia ao proletariado, cumprindo-se regularmente a lei de férias, a necessarissima lei de protecção à mulher gravida que, nas fabricas, se mata até as vesperas do parto, não se perseguindo ou hostilizando as trabalhadores que queiram organizar-se em sindicatos, e melhorar os salarios, ao envez de só se preocupar com grandes lucros na exportação de algodão para o estrangeiro. Uma cousa é ter sido perrepista e compreender o erro; outra é compreende-lo e continuar nêle. Os homens da chamada coligação são os mesmos que realizaram ou apoiaram, a obra de ruina administrativa de nossa terra.

Não é possível que eles se hajam transformado da noite para o dia. Os fatos estão aí para provar o que alegamos. Atraz de todo esse palavreado demagogico com que se procura enganar o povo, estão os interesses dos grandes grupos.

Por todos estes fundamentos, repilo qualquer interferencia da Coligação Municipal, rotulo do p.r.p., em Itu, e espero seja realizada, hoje ou amanha, uma politica verdadeiramente benefica aos interesses da coletividade.

São Paulo, 23/2/1936
Transcrito do Jornal Progresso – Itu, Ano IV, 1º de Março de 1936 – Num. 170 – p. 02