Opinião

Publicado: Quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Daniel Lau: não adianta querer vencer a China estando fora dela

Fluxo de comércio entre os 2 países alcançou U$ 77 bilhões.

Crédito: Arquivo pessoal Daniel Lau: não adianta querer vencer a China estando fora dela
'Apesar da boa relação entre os dois países, ainda é preciso melhorar o nível de cooperação entre eles'

Com a chegada do Ano Novo chinês, o país tem muitos motivos para comemorar quando o assunto é o que eles mais têm interesse: negócio empresarial. Nunca foram tão fortes os acordos comerciais fechados entre a segunda maior potencial mundial e o Brasil, hoje o seu maior parceiro. A relação entre os dois é de benefício mútuo e cada vez mais importante à medida que os vínculos comerciais se aprofundam. Somente no ano passado, o fluxo de comércio entre os dois países alcançou, incluindo exportações e importações, U$ 77 bilhões, o que representa um aumento de quase 39% se comparado com 2010. Somente as exportações do Brasil para a China cresceram 44% de 2010 para 2011, e as importações aumentaram 29% no mesmo período. Isso é reflexo de um longo ciclo de crescimento do comércio exterior entre as duas nações e que em 2011 atingiu uma marca histórica de superávit para o Brasil de U$ 11 bilhões.

Esse fluxo positivo vem sendo alcançado pelo Brasil nos produtos que a China mais precisa: minério de ferro, celulose, madeira, petróleo, carnes, açúcar, algodão, entre outros. O crescimento do PIB chinês em 2011 foi de 9,2% e a tendência, a longo prazo, é que a demanda aumente cada vez mais. Da mesma forma, também temos visto por aqui um grande aumento de investimentos chineses, sejam diretos ou indiretos. Mas para que esse casamento continue dando certo – sob a ótica do brasileiro - é preciso conhecer a realidade asiática. E por incrível que pareça, os maiores e principais obstáculos na relação entre o Brasil e a China não são a língua e nem a distância geográfica, e sim um maior conjunto de medidas e ações de aproximação entre eles e em todos os níveis da economia brasileira pública e privada.

Apesar da boa relação entre os dois países, ainda é preciso melhorar o nível de cooperação entre eles, porque a ajuda mútua ainda é pequena diante do oceano de oportunidades que temos dos dois lados. As câmaras de comércio e entidades do setor têm ajudado pequenas e médias empresas, o que representa apenas uma parte economia brasileira. Muitos empresários brasileiros têm ido à China querendo fazer negócios, mas a presença de fato ainda é muito tímida frente a milhares de empresas asiáticas, européias e americanas que já se estabeleceram por lá. Até o ano de 2011, mais de 300 mil companhias estrangeiras investiram no país. Atualmente, ainda existem poucas empresas brasileiras na China, que é um país que possui um mercado que está cada vez mais competitivo e seletivo. E, com isso, a janela de oportunidades para os empresários brasileiros está ficando cada vez mais restrita.

É preciso ir à China e conhecer de perto a realidade dos chineses: como eles fazem negócios, a sua cultura empresarial, o nível de competição, o ambiente em que os empresários fabricam os produtos, conhecer fornecedores, saber onde investir, avaliar muito bem a empresa que está sendo comprada, etc. O mercado chinês é bem dinâmico e está em constante mudança e não adianta querer vencer na China estando fora da China.

Além disso, o mercado chinês tem uma particularidade: É obrigatório para quem quer investir no país saber se o tipo de indústria que vai ser desenvolvida possui prioridade dentro do Plano Quinquenal Chinês. Por isso, o empresário tem necessariamente que saber no que o governo está dando prioridade no momento. Atualmente, há alguns setores como tecnologia, energia limpa e biotecnologia que estão em alta e outros setores que não estão recebendo incentivos.

Outra questão muito importante diz respeito à logística na China. A formulação da estrutura comercial do local não fornece uma logística integrada nacional. Soma-se a isso, a grande competição que pode ser encontrada em praticamente quase todos os níveis da economia. O empresário encontrará dificuldades para colocar o seu produto em todos os lugares. A rede de parceiros e distribuidores é essencial.

Entretanto, apesar da parceria comercial crescente e tantos objetivos em comum, na maioria dos casos não podemos ter a China como espelho para o desenvolvimento do Brasil, porque a base de comparação é muito diferente. O principal desafio está no entendimento e na adaptação. Não existe uma fórmula única. Nem todos os aspectos podem ser copiados ou ignorados já que muita coisa que funciona aqui não funciona lá e vice-versa. É importante ver a China como uma sugestão; observar como as coisas são feitas por lá e adaptá-las às necessidades brasileiras.

Já em relação ao empresário chinês e o brasileiro, há mais semelhança do que diferença entre eles. Ambos têm uma visão empreendedora. O chinês passa pelas mesmas dificuldades que os brasileiros como: concorrência, busca por espaço para venda do produto, obtenção de crédito, etc. Outra semelhança interessante é que as duas partes são bem criativas na busca de soluções para enfrentar os desafios e problemas. Já a diferença está na base cultural, no ensino e na formação de valores. Mas apesar disso, os dois conseguem se adaptar perfeitamente à realidade do mercado e ao ambiente do outro. Conheço vários empresários chineses que aprenderam muito com os brasileiros e vice-versa. A maior riqueza em uma relação é a troca de experiências e aprendizados.

Daniel Lau é diretor da Prática Chinesa da KPMG no Brasil.

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