Cotidiano

Publicado: Quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Cortiço: uma realidade velada

Cerca de 408 mil brasileiros vivem em moradias precárias.

Crédito: Guilherme Martins / www.itu.com.br Cortiço: uma realidade velada
Apesar de pequena e interiorana, Itu também possui cortiços escondidos atrás de grandes muros

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Por Camila Bertolazzi

* A íntegra desta reportagem, incluindo as citações, foi baseada na monografia "O Cortiço", apresentada no ano de 2009 na Universidade de Sorocaba (UNISO).
 
Você já se imaginou morando em um casarão antigo, dividindo banheiros e sem privacidade dentro da própria casa? Pois essa é a realidade de aproximadamente 408 mil brasileiros que vivem em cortiços, segundo dados divulgados recentemente pelo IBGE.
 
Considerado a forma de habitação proletária mais antiga do Brasil, o cortiço tem seu surgimento atrelado aos primórdios da industrialização ocorrida no final do século XIX. “Essa forma de habitação surge como a mais viável para o capitalismo nascente reproduzir a classe trabalhadora a baixos custos. Estima-se que a terça parte das habitações existentes em São Paulo, no início do século XX, era composta de cortiços”, explicam os pesquisadores Lúcio Kowarick e Clara Ant, no livro “Territórios da Infância no Brasil”.
 
Os primeiros moradores dos cortiços viviam em grandes casarões subdivididos em vários cômodos, posteriormente alugados ou cedidos às famílias de baixa renda. Na época essas moradias eram completamente insalubres, sujas e apresentavam condições precárias favoráveis à proliferação de doenças contagiosas, como febre amarela, sífilis e varíola.
 
Décadas depois, mesmo após todo o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico da sociedade, essa precária moradia se mantém viva. Aparentemente a única mudança foi a sua denominação, alterada para Habitação Coletiva Precária de Aluguel (HCPA). As famílias ocupantes desse tipo de moradia continuam sem ter direito à cozinha, a banheiro próprio, ao uso do quintal e à água canalizada, e são obrigados a fazer do único cômodo que dispõem sala, quarto, cozinha e banheiro.
 
Apesar de toda essa precariedade, o metro quadrado do cortiço é o mais caro da cidade de São Paulo. Na edição de 11 de abril de 2009, o jornal O Estado de São Paulo atualizou os preços que os encortiçados pagam para manter sua moradia. O caso mais grave abordado pela reportagem está na região da Sé, onde um metro quadrado é calculado em R$ 28. Já os bairros sul, região nobre da cidade, o valor não passa de R$ 23, segundo o Sindicato da Habitação de São Paulo (SECOVI). Os encortiçados pagam, portanto, 21,5% mais que pessoas da classe média alta, instaladas em propriedades mais amplas que os 10m² médios das áreas centrais.

 

Vídeo publicado no site Uol


 

Para a arquiteta Alessandra D’Ávila Vieira, autora do livro A problemática dos cortiços em São Paulo", os encortiçados se submetem a esse quadro de precariedade, pois a maioria deles estão instalados nos centros das cidades. “A proximidade com o centro e, com isso, com toda a sua infraestrutura social e urbana justifica a escolha desses locais”. A arquiteta ainda explica que morar no centro significa economia na despesa de transporte e menos tempo de viagem entre a moradia e o trabalho.
 
Não obstante, as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam, enchiam-se logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas secassem. Havia grande avidez em alugá-las; aquele era o melhor ponto do bairro para a gente do trabalho. Os empregados da pedreira preferiam todos morar lá, porque ficavam a dois passos da obrigação. Trecho do livro “O Cortiço”, de Aluízio de Azevedo, escrito em 1890.
 
Apesar de esquecidos e desvalorizados ao longo dos anos, os cortiços ainda são a única opção para muitas famílias que optam por continuar nas áreas centrais das cidades. A diminuição dessas moradias pode indicar o desaparecimento dos cortiços, mas na verdade a população que saiu desses lugares migrou às favelas, conforme aponta Renato Essenfelder, em uma análise sobre projetos habitacionais publicada em maio pelo jornal A Folha de São Paulo. “Com o tempo, os cortiços são expulsos do centro para as periferias: forma-se o embrião das favelas.”
 
Os bairros centrais são os mais indicados para os governantes trabalharem a questão do déficit habitacional mais adequadamente. No entanto alguns governos insistem em investir no alongamento das cidades, por interesses do mercado imobiliário, que se beneficia com a valorização de um centro sem pobreza e de novos pontos de infraestrutura afastados do centro que permitem a criação de condomínios e prédios.
 
Em Itu, um cortiço localizado na área central da cidade será, até o fim deste ano, removido para um bairro que fica a 15 km distante do centro. O novo destino desses moradores é parte de um projeto habitacional do Governo Estadual, posto em prática pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU).
 
Apesar de pequena e interiorana, Itu também possui cortiços escondidos atrás de grandes muros e belas fachadas no centro histórico. Tais moradias e moradores são muitas vezes desconhecidos e ignorados pela população, que desconhece essa realidade velada.
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