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Publicado: Quarta-feira, 21 de julho de 2010

Uma junção de ideias

Eis o mesmo tema – aqui até uma espécie de continuação de prosas outras, nessa lida prazerosa de escrever.

Nascido dentro de uma gráfica e com o genitor além disso dela proprietário e cronista apreciado, editor de jornal, folga-se o articulista de se enxergar ainda que como um pobre e distante arremedo desse personagem tão ilustre e inspirado. Copia-se lhe, e muito mal, o gosto de lidar com o idioma, nele exemplar e escorreito.

Mais do que dizer que é tênue a linha divisória entre os poetas e os cronistas, não há exagero em se afirmar que muito mesmo se aproximam, entre si, em termos dos sentimentos que quase se misturam, na maneira do tratamento carinhoso como ornam as ideias. Se um verseja com elegância, o outro tece as frases a modo próprio, particular e pessoal.

Escrever, afinal, numa definição laica e simples, seria uma junção de ideias.

Tanto que se ousa dizer que neste ramo de jornalismo não há presas nem presilhas. Tudo pode se transmudar em assunto. O zumbido da abelha que muitos sequer percebem, o alfinete que caiu no chão, o pneu novo de um carro, a verde e teimosa gramínea incrustada no vão minúsculo, o vendaval ou a brisa suave, um gol bem feito. E assim, indefinidamente.

Quanta vez até, ao cronista, ocorre que do simples e desordenado dedilhar nas teclas, palavras soltas ou tema incerto, acaba por se consumar num texto acabado. Como também ocorre de que aquilo que se concebeu sem preparo nem peias, caia no agrado, bem como do reverso, ou seja, do tema acalentado e que ao chegar ao leitor não repercute, pelo menos tanto quanto se esperava.

Temperamentos desse jaez, mesmo que artistas e inspirados, bem remunerados ou não, no fundo pouco se lhes dá o dinheiro que, quando vem, ocorre por acréscimo e jamais por obsessão. Por isso que aqueles que se entregam a devaneios ou diletantismo vário, sem recompensa material, no conforto da alma satisfeita, nele já encontram a paga justa.

Soma-se este cronista às centenas de pessoas que, certa feita em Itu, foram ver e ouvir Rubem Alves, numa semana literária. Conquanto empenhado o conhecido escritor e palestrante em temas de condicionamento literário, deu ele belo e claro exemplo do que seja possuir uma alma própria e leve. É de se supor que, dos presentes, todos não terão talvez comungado na totalidade com seus pontos de vista, alguns muito pessoais, conquanto inteligentes sempre e que ao menos fazem pensar.

Ora, ser dono de um poder que leve os outros a refletir, é de si mesmo uma dádiva. Provocou risos e espanto ao fazer o mais comezinho dos comentários sobre o costume antigo de que, no passado, nas visitas simplesmente se batesse à porta e entrasse, sem aviso anterior. O que ele nem chegou a dizer é que, como para muitos nem era de hábito manter portas trancadas, o visitante apenas entrava e do corredor erguia a voz e se autoanunciava.

Neste papo ligeiro e sem rumo, ao tempo dos primeiros sinais de um inverno que ameça ser rigoroso, mas de repente cede espaço ao sol brilhante outra vez, permitiu-se enfim deixar que a alma cante à vontade.

Nas crônicas, palestras ou escritos em geral, não se busque tanto a fixação do texto, mas tenha-se espírito para ir mais longe um pouquinho, para cima e para baixo, a ler também nas entrelinhas.

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