Opinião

Publicado: Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Sonhos precocemente interrompidos: culpa consciente ou dolo eventual?

Por Marcelo Aith.

Sonhos precocemente interrompidos: culpa consciente ou dolo eventual?
"Inequivocamente era uma obra irregular, o que demonstra o absoluto descaso dos dirigentes do Flamengo com suas categorias de base."

Um incêndio na madrugada do último dia 8 de fevereiro deixou 10 mortos e três feridos no Ninho do Urubu, o Centro de Treinamento do Flamengo, na Zona Oeste do Rio. Os mortos tiveram abruptamente interrompidos seus sonhos, suas esperanças de um futuro melhor por uma fatalidade.

No entanto, uma questão há que ser analisada, foi de fato uma fatalidade ou negligência dos representantes do Clube de Regatas Flamengo que permitiram que adolescentes de 14 e 15 anos, em sua grande maioria carentes, que tinham no futebol a "luz no fim do túnel", a chance de deixar a vida miserável e possibilitar algo de bom para seus familiares, morassem em alojamentos inapropriados, verdadeiros conteiners, como uma boiada confinada?

No transcorrer dos dias que se sucederam a trágica sexta-feira, com as investigações iniciadas pela polícia técnica do Rio de Janeiro foi possível depreender que o local em que os jovens jogadores do sub-15 dormiam, sequer constavam do projeto encaminhado a municipalidade da capital fluminense.

Inequivocamente era uma obra irregular, o que demonstra o absoluto descaso dos dirigentes do Flamengo com suas categorias de base. Ultrapassada essa retórica toda, cabe aqui um questionamento quanto a responsabilidade criminal dos dirigentes do clube. Agiram com culpa consciente ou dolo eventual?

A culpa consciente, segundo Juarez Cirino dos Santos, "caracteriza-se, no nível intelectual, pela representação da possível produção do resultado da possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional por confiar na ausência ou evitação desse resultado, pela habilidade, atenção ou cuidado na realização concreta da ação". Ou seja, sabe que pode ocorrer o resultado, mas acredita que pode evitá-lo com suas habilidades e cuidados.

Por outro lado, dolo eventual, para o mesmo criminalista paranaense, "caracteriza-se, no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atividade emocional, por conformar-se com a eventual produção desse resultado". Portanto, tem consciência do risco, embora não o queira, mas conforma-se com a ocorrência do resultado constante no tipo penal.

Cotejando-se os conceitos legais com os fatos apurados até esse momento nas investigações deflagradas pela polícia técnica fluminense, não há como, ao menos em tese, deixar de atribuir aos dirigentes do Clube de Regatas Flamengo a conduta dolosa, por alguns indícios sérios. O local era um "caixote" – estilo contêiner, coberto com telhas com vedação térmica e preenchido com material acústico, altamente inflamável e tóxico, não tinha licença municipal para tal uso.

Destarte, ao menos em uma análise primária, pautada nos primeiros elementos trazidos ao conhecimento público pela polícia técnica, que está presente o dolo eventual na espécie, uma vez que sabiam do risco e conformaram-se com a eventual produção do resultado.

Mas nada disso trará esses jovens de volta, nada disso restabelecerá os sonhos manietados precocemente, porém não podemos compactuar mais com situações como essas, em que pessoas são tratadas como mercadorias, preparadas para serem vendidas, como verdadeiros animais para o abate! Precisamos sim, encontrar e apontar os culpados por mais essa tragédia. E fazer com que suas punições, sejam quais for, sirvam de exemplo para que outros meninos, outros brasileiros não tenham seus sonhos e caminhos interrompidos. A impunidade não pode continuar.



Marcelo Aith é especialista em Direito Criminal e Direito Público.

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