Opinião

Publicado: Quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Luís Roberto de Francisco: o legado de Nelson Werneck

Os livros do historiador influenciaram sua vida e ideias.

Crédito: Deborah Dubner / itu.com.br Luís Roberto de Francisco: o legado de Nelson Werneck
O General Sodré, que considero um dos grandes homens da intelectualidade brasileira, no século XX, jamais deixou de de lutar pela cultura brasileira, por um projeto nacional que valorizasse o povo brasileiro

Há quase duas décadas trabalhei nesta casa, o Museu Republicano Convenção de Itu, na condição de estagiário, patente inicial a que os estudantes de História, desejosos de aprender técnicas e ações de preservação da memória são levados a cumprir. Valeu como outro curso superior. No meu vai-e-vem, da casa materna ao museu, sempre muito agitado, reconheço, via passar calmamente, nesta Rua Barão de Itaim a figura de um senhor de pouca estatura, bigodes bem aparados, vez por outra, acompanhado de sua elegante senhora, às vezes só, em prosa com gente da intelectualidade local, como o Prof. João dos Santos Bispo.

Foi bem aqui, no saguão desta casa, que o Prof. Jonas Soares de Souza, então Supervisor deste Museu, me informou que aquele discreto brasileiro não era outro senão o grande historiador Nelson Werneck Sodré. Foi uma dessas grandes surpresas, reconhecer na figura quase frágil do homem de idade considerável, o gigante que eu compartilhava idéias através da bibliografia.

Anos depois, acompanhei com devoção o seu féretro, representando o poder público municipal, quando era Diretor da Secretaria de Cultura. Às honras militares e homenagens dos admiradores, se seguiu um silêncio, que cada vez mais se instalou, a respeito de sua vida e sua obra, somente rompido pela diligência de sua senhora, D. Yolanda e de sua filha, a Dra. Olga, em trazer à luz as primeiras reedições da obra do historiador e pela criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros Nelson Werneck Sodré, no Rio de Janeiro.

O General Sodré, que considero um dos grandes homens da intelectualidade brasileira, no século XX, jamais deixou de ser um soldado, empenhado na patriótica missão de lutar pela cultura brasileira, por um projeto nacional que valorizasse o povo brasileiro, chamando as elites, as parcelas menos favorecidas e as gerações mais novas a pensarem o seu país, sua cultura. O convite à sociedade para romper com antigos cânones do poder é evidente através da madura reflexão acerca do nosso processo histórico, que abriu caminhos para outras gerações de estudiosos.

Nelson Werneck Sodré cumpriu esta missão como um soldado da palavra, um estudioso de invejável capacidade de conexão entre o processo histórico, as idéias do Materialismo Dialético e o direito à liberdade. Tudo isto se fez em uma fecunda produção, de mais de sessenta volumes, por um homem desvestido da empáfia da intelectualidade arrogante, que está mais a serviço de si mesma que da sociedade.

Sodré foi um autor autêntico, um materialista que morreu convicto de seus ideais, de imensa atualidade, porque das suas observações amadureceram muitas discussões que ainda hoje permeiam os estudos históricos, a análise aguda no Brasil do papel da imprensa e das redes de comunicação, os caminhos da literatura nacional e a valorização da cultura brasileira.

Ao conhecer de perto a sua filha, Dra. Olga Sodré, com quem passei a travar longas e interessantes conversações que se transformaram em grande amizade, recebi o convite para tomar parte nas celebrações do centenário de nascimento do General Sodré. Quis logo oferecer o que de mais precioso tínhamos, um grupo de amigos que integram o Instituto Cultural de Itu. O papel dessa agremiação, até hoje, era a hercúlea tarefa de manter viva a tradição musical de nossa terra através do Museu da Música – Itu. Reunido o grupo diretor, deliberou pela criação de um Centro de Estudos Brasileiros que levasse o nome de Nelson Werneck Sodré, para promover encontros e reflexões, trazer a Itu gente que estudou a sua obra, colaborar na reedição da sua importantíssima bibliografia, para estar permanentemente ligado ao ISEB Nelson Werneck Sodré. Sobretudo esse departamento de nosso instituto deve ser um lugar em que se promoverá cotidianamente a luta pela cultura brasileira, caminhando de encontro aos anseios do Plano Nacional de Cultura, que valoriza o saber fazer, as práticas e os saberes populares, o estudo, a formação acadêmica e a reflexão sobre o Brasil.

Para tanto não poderíamos contar com outra senão a própria Dra. Olga na direção destes trabalhos. Será acolitada pela Profa. Durce Gonçalves Sanches, grupo que participarei formando trio, mais como obediente aprendiz que qualquer outra coisa.

Damos já o passo inicial para as atividades do Centro de Estudos Brasileiros Nelson Werneck Sodré, promovendo, em conjunto com o Museu da Música – Itu uma série de encontros culturais, intitulada Diálogos 2011. Participaremos também da reedição de uma de suas obras, Memórias de um escritor, que será relançada já em maio.

Acredito que a transformação que a sociedade brasileira merece só se fará por uma revolução lenta, alicerçada à transformação no acesso à cultura erudita e na valorização da sabedoria popular. O diálogo entre estes aspectos fará crescer e se fortalecer esse povo, como diagnosticara o velho soldado Nelson Werneck Sodré, ao carregar a bandeira mais significativa, a da liberdade do povo diante de si mesmo.

Agradeço à Dra. Olga pela oportunidade, nosso Instituto Cultural de Itu está pronto para grandes coisas.
 

Luis Roberto de Francisco é historiador, educador, músico, presidente do Instituto Cultural de Itu e do Museu da Musica.
 

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