Luciana Burlamaqui: O Brasil nas Avenidas
Renascimento e reconexão com valores primordiais.
Deborah Dubner
O Brasil que foi para as avenidas deu passagem para o renascimento de um espírito, talvez agora mais amoroso, mais solidário, mais corajoso e preparado para enfrentar as nossas sombras individuais e coletivas. Há algo maior hoje no país e no mundo que está reconectando o homem com seus valores, já há muito tempo esquecidos.
O Brasil foi para as avenidas, não apenas para mostrar sua cara, mas por algo ainda mais profundo: deixar seu espírito falar. O Brasil das novelas, da “Avenida Brasil” e de seus personagens globais deixaram de ser assunto, para serem literalmente engolidos e derrubados pela massa humana governada por um sentimento sem bandeiras catalogadas, que juntas trouxeram a soma de um discurso ideológico unificado, sem tempo de ensaio: queremos mudanças sociais!
Tudo parece ser histórico no último mês no Brasil. Hoje, a voz de uma pessoa, de um indivíduo anônimo, tem o peso de um consciente coletivo. E esta voz ganhou força e forma, de diversas maneiras, como por exemplo, com a câmera doméstica ou o celular na mão, registrando o que a mídia raramente mostra, como a imagem do policial quebrando o vidro da própria viatura visto por milhares de pessoas na web, feita da janela de um prédio por um morador. Apenas como exemplo de uma entre tantas outras imagens da polícia em ações violentas, contra a população, que foram veiculadas na internet.
De maneira geral, a grande mídia referenda a violência policial e reproduz na edição dos programas de TV, a mesma versão policial do que supostamente acontece na periferia: policiais atacam depois de serem atacados. Mas a verdade nem sempre é assim. A maioria dos casos de confronto policial na periferia de São Paulo, por exemplo, são forjados.
Hoje, ao menos, o Brasil inteiro parece estar convicto de que a violência policial existe. Há aqueles que, infelizmente, acreditam que ela é até justificada, mas ao menos ficou impossível para a maioria negá-la. Afinal, a polícia ostensiva é militar, treinada para combater ”o inimigo“ com todos os resquícios da ditadura.
E, em tempos da Comissão da Verdade, criada para investigar os crimes praticados ao longo do regime militar, esta violência policial que nunca deixou de existir na periferia e, agora, ganha as ruas e as principais avenidas dos grandes centros no país, traz constrangimento, ao percebermos, que já está atrasada a Comissão da Verdade dos crimes da democracia, cometidos pela PM nos últimos 25 anos. Quem a fará e quando? Quando haverá, por exemplo, a Comissão da Verdade dos crimes de maio de 2006, onde 493 pessoas foram mortas em uma única semana pela Polícia Militar, na periferia da capital paulista, Baixada Santista e Guarulhos - a maioria delas jovens, negras e pobres - em clara represália aos ataques, na época, do Primeiro Comando da Capital (PCC)?
O Brasil foi para as ruas e avenidas por causa desta violência policial, quando ela chegou na classe média e as balas de borracha feriram gravemente jornalistas de veículos, cujos os próprios editorias incitaram a violência da corporação policial, como foi o caso da Folha de São Paulo, no dia 13 de junho no editorial: “Retomar a Paulista”.
Desta forma, os temas da desmilitarização da polícia e da reforma policial chegaram na boca do povo e, hoje, os mesmos, são entoados em coro em qualquer manifestação. O principal assunto do país deixou de ser as fofocas sobre as telenovelas da Globo para se tornar todas as mazelas sociais e políticas que não suportamos ver mais.
O grito que eclodiu do coração do brasileiro é verdadeiro e ganhou voz pela mídia alternativa, formada por jornais on line, revistas, sites, blogs e coletivos audiovisuais. Além dessa comunicação mais democrática dar voz ao grito, ela impediu que ficássemos reféns dos veículos de imprensa tradicionais que foram obrigados até a noticiar, ao vivo, que eles também eram alvos de protestos dos manifestantes nas ruas. Isto aconteceu na TV Globo, no último dia 11, quando mais de duas mil pessoas caminharam até a emissora pedindo: o fim do oligopólio da comunicação no Brasil, a democratização da mídia no país, além de protestarem contra a postura editorial da emissora e cobrarem esclarecimentos sobre as denúncias de sonegação fiscal da TV. O jornalista e apresentador do “SPTV”, Carlos Tramontina, deu a notícia sobre a marcha contra a emissora, enquanto seu rosto e o estúdio foram marcados com luzes de laser verde, enviadas por um grupo que fazia parte da manifestação.
O desejo por uma mídia livre, independente, sem conchavos com qualquer tipo de poder, tornou-se um tema cada vez mais presente nas ruas. Aulas públicas começaram a aparecer sobre o assunto, com propostas de mudanças concretas, como o projeto de lei de iniciativa popular que está coletando assinaturas para serem levadas ao Congresso Nacional, como forma de pressão, para a regulamentação da Lei das Comunicações no Brasil e, assim, entre vários pontos, acabar com oligopólio da mídia, com as concessões de Rádio e TV para políticos e garantir a democratização dos meios, com parte das concessões sendo destinadas também a grupos de caráter associativo comunitário, gerido de forma participativa.
Hoje o brasileiro se tornou porta voz de seus próprios sentimentos e pensamentos através das redes sociais. O espírito comunitário fortaleceu grupos que já existiam no Brasil há décadas ou que se formaram nos últimos anos, como o Movimento Passe Livre e tantos outros focados no bem comum, com projetos e metas claras para promover mudanças sociais.
Não dá mais para a segurança pública brasileira continuar sendo estruturada no aumento do número de presídios, de efetivo policial, além de ser militarizada e caracterizada pela violência e alto grau de letalidade.
A mídia também não pode mais estar concentrada nas mãos de poucas famílias da elite brasileira, cujo o único interesse é manter o status quo do mercado. Ambos os tópicos: Polícia Militar e concessões de Rádio e TV para poucos são resquícios da ditatura. Se queremos viver a verdadeira democracia, essas estruturas precisam ser quebradas e transformadas. O lodo dessas instituições recheado de corrupção e da opressão contra os mais fracos precisa continuar a emergir.
Mas junto com este lodo do sistema, precisa sair também o lodo que habita o próprio indivíduo, independente de território geográfico. A quebra das estrut