Publicado: Quinta-feira, 30 de julho de 2009
Inês Trost reflete sobre os pedintes profissionais
Camila Bertolazzi
Outro dia, ao sair com meu carro de uma vaga no centro de Itu, um homem que passava na calçada – e que não tinha cara de mendigo - me pediu dinheiro para comprar uma marmita. Num primeiro momento o emocional me dizia para atender ao pedido, afinal ninguém merece passar fome, os trocados não iam me fazer falta e o sujeito não estava ali porque realmente gosta de pedir esmolas.
Mas daí veio meu lado racional argumentando que não se deve dar esmolas para não estimular a atividade – vai que a moda pega, além do que há pedintes que vivem disso (e nem tão mal), quando não há bandos organizados explorando a atividade dos mendigos, especialmente se forem crianças (quem resiste a doar para quem for diante da foto de uma criança maltratada e triste?).
Então respondi que não lhe daria nada. O rapaz retrucou que estava com fome, e que junto com ele havia um senhorzinho do outro lado da rua que é deficiente mental, e que eles iam dividir a tal marmita. Que apelo ao meu emocional, imagine que ele ia até dividir o pouco que receberia com alguém mais necessitado ainda que ele!
Quando continuei irredutível (confesso que com dificuldade, e ele deve ter percebido), ele perguntou se não era melhor ele pedir do que roubar. Devo ter cara de paulistana (que sou), para quem assalto é algo muito presente. Quando nem este argumento pareceu me convencer, o sujeito me disse que se tivesse um trabalho para ele, qualquer um, ele faria - o esperto sabia que eu não ia colocar um estranho no carro e levar para minha casa para ele cortar a grama. Prometeu, também, não gastar o dinheiro em cachaça, ao invés de comprar comida. Ele continuava tentando me convencer que não era preguiçoso, nem delinquente, nem alcoólatra, como se fosse coisa de preconceito infundado... Onde será que aprendeu a manipular tão bem?
A estas alturas eu já nem dizia mais nada, admirada com as diversas estratégias que ele usava para me convencer, mas como eu ainda estava (só um pouco) reticente, veio a pérola do dia: ele disse que estava pedindo para mim, e não para outros, pois eu tinha cara de ser pessoa de bom coração... Aí partiu definitivamente para massagear meu ego! Quem será que lhe disse que (quase) ninguém resiste a esta?
Eu já estava procurando minha carteira na bolsa quando me dei conta que estava diante de um pedinte profissional, um entendido em comunicação interpessoal, que havia me desafiado para um jogo. Como não havia pedido para jogar, me julguei no direito de terminar a partida do meu jeito – não lhe dando o que pedira. Ou será que ele realmente estava passando por um momento difícil e só procurava um pouco de solidariedade humana?
Inês Trost é socióloga, e tem se dedicado à pesquisa das diversas esferas da sustentabilidade – do indivíduo, da sociedade e do planeta.
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