Opinião

Publicado: Quinta-feira, 1 de abril de 2010

Giovano Candiani:"Energia do Lixo?"

Crédito: Arquivo pessoal Giovano Candiani:"Energia do Lixo?"
"De acordo com a Associação Brasileira de Limpeza e Resíduos Especiais (ABRELPE) no ano de 2008 foram geradas 169.659 toneladas de resíduos sólidos urbanos por dia no Brasil"

A humanidade já consome mais recursos naturais do que o planeta é capaz de repor. A consolidação do processo de urbanização e o crescente consumo contribuíram para o significativo aumento da geração de resíduos sólidos, aspecto que dificulta bastante o gerenciamento adequado desses resíduos.

O aterro sanitário pode ser definido como uma forma de disposição de resíduos sólidos no solo, que, fundamentada em critérios de engenharia e normas operacionais, permite o confinamento seguro, garantindo o controle de poluição ambiental e proteção à saúde pública, minimizando impactos ambientais.

Atualmente no Brasil, somente cerca de 30% de todo o lixo urbano produzido é tratado adequadamente em aterros sanitários, ou seja, a grande parcela desse resíduo é simplesmente encaminhada para lixões (vazadouros a céu aberto).

A produção de resíduos nas cidades é um fenômeno inevitável que ocorre diariamente em quantidades e composições que variam com seu nível de desenvolvimento econômico, com sua população e seus diferentes segmentos sociais.

De acordo com a Associação Brasileira de Limpeza e Resíduos Especiais (ABRELPE) no ano de 2008 foram geradas 169.659 toneladas de resíduos sólidos urbanos por dia no Brasil. Considerando-se a população brasileira de aproximadamente 185 milhões (IBGE, 2008) de habitantes, a geração diária de resíduos sólidos urbanos no Brasil é de 0,917 Kg/habitante/dia.

A sociedade capitalista urbano-industrial e seu modelo de desenvolvimento econômico e tecnológico têm causado crescentes impactos sobre o ambiente e a percepção desse fenômeno vem ocorrendo de maneiras diferentes. Tal fato acaba por aumentar as dificuldades cotidianas, expressas pela falta de água, energia, espaços habitacionais seguros, saúde, educação, emprego, alimentação, saneamento e tratamento adequado de resíduos sólidos.

A humanidade encontra-se em um momento de culto ao consumo, existe um sistema ideológico moldado em função do consumismo, que representa além da satisfação individual condições estéticas, morais e sociais de pertencimento a uma determinada sociedade. O consumismo descaracteriza a personalidade reduzindo a visão de mundo e o papel de cidadania de um cidadão, do ponto de vista social, o consumo personifica características relacionadas ao egoísmo e ao individualismo.

O consumismo determina um elemento regulador da vida individual, estabelecendo novos valores e novas éticas, ganhando condições psicológicas. A racionalidade capitalista determinada pela dinâmica da produção e do mercado, condiciona as bases do consumo e descarte. Todo esse processo também favoreceu a necessidade de se intensificar a oferta energética para atender a crescente demanda. Nesse contexto, a disposição final inadequada dos resíduos sólidos e a escassez de energia elétrica constituem-se dois grandes desafios da sociedade.

A energia é hoje um dos principais temas discutidos no mundo inteiro, pois a demanda é crescente e, existe a necessidade de se buscar novas fontes energéticas, que atendam às exigências ambientais atuais.

As recentes crises energéticas de abastecimento, conhecidas como apagões, ilustram a falta de investimentos em infraestrutura e também a fragilidade do setor elétrico brasileiro, estabelecendo de maneira significativa a necessidade de se ampliar as fontes energéticas, principalmente, com caráter renovável.

Nesse contexto, a conversão energética dos resíduos sólidos é uma possibilidade que deve ser considerada, pois, além de aumentar a disponibilidade de energia, é uma maneira de se ampliar o tratamento adequado dos resíduos.

A matéria orgânica presente nos resíduos sólidos urbanos dispostos nos aterros sanitários é degradada por meio do processo de biodigestão anaeróbia, produzindo líquidos (chorume) e gases (biogás). A biodigestão é um processo bioquímico que depende efetivamente da ação de microorganismos, que fracionam compostos complexos, produzindo o biogás.

O biogás é uma mistura gasosa composta principalmente por metano e dióxido de carbono, representando uma opção interessante para a geração de energia, evitando, assim, a liberação de gases poluentes provenientes da combustão de combustíveis fósseis, portanto, o uso do biogás não só diminui a emissão de metano na atmosfera como também traz uma solução energética.

Existem cerca de 960 aterros no mundo inteiro aproveitando a energia do gás gerado em aterro sanitário. Nos Estados Unidos existem 450 aterros produzindo energia do gás de resíduos sólidos, gerando aproximadamente 1.372 MW. No Brasil, existe somente dois aterros sanitários (Bandeirantes e São João, na cidade de São Paulo) aproveitando o biogás para gerar energia elétrica, produzindo aproximadamente 45 MW, energia suficiente para abastecer cerca de 600.000 habitantes.

O Plano Decenal de Produção de Energia (2008 a 2017) estima que o resíduo sólido urbano das 300 maiores cidades brasileiras (considerando-se todo o lixo coletado nesses municípios) poderia produzir 15% da energia elétrica total consumida no Brasil. Potencial que evitaria a construção de novas hidrelétricas de grande porte, principalmente na Amazônia e usinas nucleares, como por exemplo, Angra III.

Existe claramente um aumento contínuo do volume de resíduos sólidos no Brasil, que reflete os atuais padrões insustentáveis de consumo e produção, já que, em curto prazo, essas práticas sobrepõem em muito as melhorias introduzidas nos últimos anos no setor de gestão de resíduos sólidos urbanos.

A verdade é que a mudança de um paradigma puramente econômico neoclássico para um sistema econômico mais sustentável é necessário, ou seja, a transformação nos ciclos de produção e consumo é a grande esperança em gerar um crescimento econômico mais sustentável.

Embora reconhecendo as dificuldades dessa mudança principalmente no que diz respeito ao paradigma econômico institucionalizado e a real “vontade” da sociedade em rever seus padrões de consumo, tem-se a perspectiva do repensar as questões ambientais e sociais sob a dimensão das relações dinâmicas entre o desenvolvimento tecnológico e a sustentabilidade, não somente do ponto de vista conflitante, mas as ideias convergentes e que permitam avançar na propagação de novas racionalidades.

A mudança almejada não necessariamente interrompe

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