Cotidiano

Publicado: Terça-feira, 8 de maio de 2007

Um aluno muito especial

Um aluno muito especial
Rodrigo Gasparini, jornalista
A incrível história do padre ituano que um dia foi “professor” do papa
 
Por Rodrigo Gasparini
(artigo publicado na Revista BOAVIDA, em maio de 2005, e cedido para o Itu.com.br, pelo próprio autor)

No dia 19 de abril, os olhos do mundo estavam voltados para uma sacada na praça São Pedro, no Vaticano. Foi ali que o cardeal alemão Joseph Ratzinger apareceu pela primeira vez como papa Bento XVI. E quando isso aconteceu, os olhos de um ituano viram pela TV uma figura bastante familiar.
 
Para entender essa história, é preciso fazer uma viagem no tempo. Corria o ano de 1998 e a cidade de Weimar, no norte da Alemanha, era sede de um congresso da Igreja Católica. Para marcar o evento, houve uma missa pontifical pelo rito antigo. Trata-se de uma celebração complexa, cheia de simbolismos e que precisa ser guiada por um Mestre de Cerimônias, alguém especializado no assunto.
 
O padre Almir de Andrade, nascido em Itu há 31 anos, é um desses Mestres de Cerimônias. Naquela oportunidade, ele foi escalado para instruir o celebrante, cardeal Ratzinger, sobre como proceder com os inúmeros detalhes da missa. Os dois se encontraram cerca de quatro horas antes da celebração. “Ele começou contando que tinha ficado muito satisfeito pelo pároco ter esquecido de avisar sobre sua visita e, portanto, a cozinheira não ter feito nada especial. Disse que não agüentava mais comer coisa chique e acabou comendo o que comia quando era criança”, lembra o ituano.
 
Mesmo faltando bastante tempo para a missa, Ratzinger já estava com as vestimentas de cardeal. E ouviu atentamente as explicações – em alemão – do padre Almir, interrompendo-o poucas vezes. Tão atentamente que foi um dos melhores “alunos” que o sacerdote ituano já teve.
 
Embora esse tenha sido o primeiro encontro pessoal entre Ratzinger e Almir, já havia uma ligação anterior entre eles. Isso porque era o padre quem escrevia relatórios em português para o então prefeito da Congregação da Doutrina da Fé. O trabalho era feito a pedido de Ingo Dollinger, reitor alemão do seminário onde o ituano estudou, em Anápolis (GO) e responsável por uma paróquia localizada na cidade alemã de Ausburg. Ao fazer os textos e posteriormente viajando para a Europa, o sacerdote acabou se apegando à linha que conserva a antiga disciplina da Igreja Católica e entrou num dos institutos idealizados pelo cardeal.
 
Após o encontro em Weimar, os dois voltaram a estar juntos por várias vezes, em palestras, congressos e celebrações. Oportunidades que deixaram em Almir duas marcas de Ratzinger. Primeiro, sua capacidade intelectual (certa vez, numa conferência, falou durante 40 minutos em latim, de improviso). Segundo, sua simplicidade: “Nós vimos nas conversas, nos sermões e nas conferências que o cardeal, apesar de toda intelectualidade, vive numa espiritualidade muito simples. Ele se atém ao essencial”.
 
De Ratzinger a Bento
De um dia para o outro, o cardeal Joseph Ratzinger virou o papa Bento XVI. O responsável pela antiga Inquisição passava a ser o líder da Igreja Católica e um dos homens mais poderosos do mundo. E a humanidade começava a se questionar sobre como seria o futuro do catolicismo. A explicação, para o padre, não é difícil: “Daqui por diante, Bento XVI só tem o papel de pai. Que é pai tanto de uns quanto de outros. Não será mais aquele ‘cão de guarda’”. A referência é clara ao passado de Joseph Ratzinger que, enquanto prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, coibiu o avanço de linhas liberais da Igreja, como a Teologia da Libertação. Foi ele, inclusive, quem interrogou e censurou livros do ex-franciscano brasileiro Leonardo Boff, um dos expoentes dessa corrente.
 
E se a transição de um papado para outro sempre é difícil, o fardo se torna ainda mais pesado quando a missão é substituir João Paulo II, o papa mais carismático e midiático da história moderna. “Depois de uma figura tão grande como João Paulo II, qualquer outro ficará à sombra”, avalia Almir. Ele também lembra que os 78 anos de idade de Bento XVI não permitirão que ele viaje pelo mundo como fez seu antecessor. “Ele vai trabalhar mais na reorganização interna da Igreja, no governo, na disciplina e na espiritualidade”.
 
O quesito disciplina é um dos maiores divisores de águas entre a Igreja e o mundo contemporâneo. Questões como a proibição ao aborto, ao uso de anticoncepcionais e preservativos, à ordenação feminina e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, entre outras, sempre foram imutáveis no governo do polonês Karol Wojtyla. Quando os cardeais que participaram do conclave elegeram Ratzinger, fiel escudeiro do recém-falecido, ficou claro que os dirigentes católicos não querem mudanças bruscas. A experiência do padre ituano em conversas com o novo papa garante que ele poderá até permitir o estudo de alguns pontos, alargando a tolerância da Igreja. “Mas ninguém espera que haja uma quebra de linha do ponto de vista moral”.
 
De Itu para o mundo...
Almir de Andrade reside há quatro anos em Viena, capital da Áustria. Nada mau para quem tinha pavor em sair do Brasil. Lá, é o confessor oficial da catedral da cidade, onde está enterrada a família imperial austríaca. Cargo que só pode mesmo ser ocupado por alguém que fala seis línguas (português, latim, espanhol, italiano, francês e alemão) e ainda “arranha” outras duas (inglês e grego). Além de ouvir os pecados de fiéis do mundo inteiro, ele desenvolve trabalhos com grupos de estudantes universitários, jovens, crianças e famílias.
 
O padre viveu em Itu até os 18 anos de idade. Nascido em berço humilde, morou com seus pais e mais quatro irmãos na Vila São José e no bairro São Judas. “Por uma dessas coisas curiosas que acontecem, que a gente nem sabe de onde vêm, acabei parando na Igreja do Bom Jesus, aos 11 anos. Ia para me confessar e foi aí que a relação com a religi&atild
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