Nelson Werneck Sodré: O Resgate de um Ícone Nacional
Olga Regina Frugoli Sodré escreve sobre o seu centenário.
Deborah Dubner
Discurso de Olga Regina Frugoli Sodré, Presidente do ISEB-NWS, para a inauguração das celebrações do Ano Nelson Werneck Sodré.
Não estaríamos reunidos no Museu Convenção de Itu para inaugurar as celebrações do Ano Nelson Werneck Sodré com uma série de atividades, se não tivesse havido uma primeira reunião do movimento republicano que tornou Itu conhecida como o “Berço da República” e se o Museu Republicano Convenção de Itu não tivesse guardado viva a memória desse acontecimento.
O duplo movimento de fazer a História e de preservá-la na memória das gerações presentes e futuras é fundamental para a constituição do que nós somos e do que nós podemos vir a ser.
Existe, contudo, um terceiro momento que está sendo lançado hoje em Itu. Nesse terceiro momento, a memória se apóia em um ícone e se torna viva, gerando um novo movimento histórico, como aconteceu, por exemplo, com a figura do ambientalista Chico Mendes. Ele lutou historicamente pela Amazônia, ficou na memória dessas lutas e depois se tornou um ícone do movimento em defesa da Amazônia e do movimento ecológico em geral.
Precisamos, portanto, entender o que significa Nelson Werneck Sodré como ícone, para podermos melhor desenvolver esse movimento. Ele foi um intelectual que participou ativamente da luta por um desenvolvimento brasileiro autônomo com base em nossa cultura, defendendo a soberania nacional, a justiça social e a emancipação social e cultural do povo.
A importância desse ícone para o atual momento cultural brasileiro significa um alerta ao fechamento dos intelectuais nos meios acadêmicos, pois eles deixam assim de ser uma luz do conhecimento para a transformação social e cultural do país.
Nelson Werneck Sodré conseguiu fazer uma análise crítica e uma síntese das diferentes facetas do Brasil que poucos pensadores brasileiros conseguiram realizar. Como o Édipo da mitologia grega, que decifrou o enigma da esfinge com base nas três etapas da vida humana, ele conseguiu desvendar o enigma da realidade brasileira, servindo-se de seu conhecimento da História.
Árduo pesquisador de nossa realidade, sua obra continua sendo uma referência fundamental para o conhecimento da nossa realidade histórica e muitas de suas colocações continuam atualíssimas. Como, por exemplo, seu livro precursor da contestação ao neoliberalismo, “A Farsa do Neoliberalismo”. Ele nos colocou questões fundamentais sobre o Brasil e abriu horizontes para que pudéssemos entender melhor o nosso país.
Através da celebração de seu centenário de nascimento, propomos uma nova forma de resgate da contribuição intelectual de Nelson Werneck Sodré, que seja viva, ampla e atuante na sociedade, com o apoio de uma rede de amigos em todo país e no estrangeiro.
Após o golpe de 1964, procurou-se enterrar a sua obra. Mas já teve início um resgate dela no meio universitário. Nós pretendemos um pouco mais: propomos um movimento para resgatar o legado do que representou sua participação cultural junto aos estudantes, intelectuais e artistas que frequentavam o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), onde ele lecionava e pesquisava, e que vinham até ele no intuito de pedir orientações para suas diferentes áreas de atuação intelectual.
Por tudo isso foi criado o ISEB-NWS, que hoje apóia a criação do Centro de Estudos Brasileiros-Nelson Werneck Sodré como um dos departamentos do Instituto Cultural de Itu, bem como todas as atividades realizadas durante o Ano NWS.
Muitos me perguntam por que lançar esse movimento de resgate da memória de Nelson Werneck Sodré justamente na cidade de Itu. Minha família e eu temos fortes vínculos com a cidade. Foi em Itu que minha mãe, Yolanda Frugoli Sodré, deu o seu “sim” ao então tenente Nelson, na cerimônia religiosa em que se uniram em matrimônio no dia 2 de fevereiro de 1935.
Existe, contudo, outro “sim” mais presente e também fundamental, que é a resposta positiva dos intelectuais de Itu. Eles demonstraram que essa cidade não foi apenas o “Berço da República”, mas é igualmente um berço da Cultura, que soube reconhecer o valor da obra de Nelson Werneck Sodré e acolhê-la nesse berço, reunindo em torno dele representantes de diferentes áreas culturais: Pesquisa Social, Música, Literatura, Comunicação e História, num clima de efervescência e entusiasmo que me recordam os anos dourados do ISEB, no período entre 1950 e 1960.
Os intelectuais ituanos não apenas criaram um Centro de Estudos Brasileiros – Nelson Werneck Sodré, no Instituto Cultural de Itu, mas conseguiram por iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura que o Prefeito desta cidade assinasse o decreto de criação do ano do centenário de Nelson Werneck Sodré.
Assim sendo, esse grande pesquisador da história brasileira, que já havia se realizado plenamente em vários campos do conhecimento humano, e em várias atividades atingido um amplo reconhecimento público ainda em vida, com mais de 60 livros publicados, recebe agora um reconhecimento oficial do poder público local e de sua comunidade intelectual.
Fica, portanto, comprovado que a comemoração de seu centenário não abrange apenas sua pessoa ou a minha, mas se estende a toda cidade de Itu e o torna efetivamente um ícone da luta pela Cultura nacional.