Opinião

Publicado: Quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Leandro Ferreira opina sobre a anencefalia

Crédito: Arquivo Pessoal Leandro Ferreira opina sobre a anencefalia
"Liberar o aborto de fetos anencéfalos é só o primeiro passo"
Nos últimos anos o aborto tem sistematicamente participado da pauta dos grandes meios de comunicação do Brasil e do mundo. A Folha de São Paulo é um dos jornais que mais trata o assunto, noticiando e publicando discussões divulgadas na seção “Tendências & Debates”. Não é raro na edição dominical do jornal examinarmos o aborto como o assunto mais comentado da semana. Ano passado o tema liderou em várias ocasiões. É um tema extremamente polêmico e de importância para a sociedade.
 
No dia 26 de agosto, o Supremo Tribunal Federal iniciou uma audiência pública para a discussão da possibilidade de interrupção da gravidez em caso de feto anencéfalo. A primeira reunião teve a presença dos religiosos. Cinco entidades participaram da peleja. Como já era de se esperar, o aborto foi derrotado por três a dois. A CNBB, a Associação Pró-Vida e Pró-Família e a Associação Médico Espírita do Brasil votaram contra. Somente a Igreja Universal e uma entidade católica chamada “Direito de Decidir” ficaram a favor. Como a Igreja Universal só se preocupa em incomodar a igreja católica e não aprendeu até hoje a fazer uma sessão do descarrego divertida na TV, pretendo ignorar a opinião dela.
 
O Brasil é laico. Está na constituição. Logo, os encostos da Igreja Universal e os padres da CNBB deveriam opinar longe, bem longe do STF. O STF já é suficientemente pitoresco para ter interferências extremamente conservadoras e embasadas numa argumentação no mínimo utópica – para não dizer sádica. Dêem um tempo ao STF.
 
A religião não precisa lançar seus garotos propaganda para lutar contra o direito das mães abortarem fetos sem cérebro, fadados à morte. Eles não precisam usar o carisma de ninguém pra propiciar esse terrorismo psicológico, essa tortura estatal às mulheres, que já sofrem com o machismo habitual. Porque o conservadorismo é parte da massa, passando da esquerda à direita. O Brasil é tão conservador que nutre idéias abandonadas há mais de 50 anos, como a reforma agrária. Nossa esquerda ainda leva ao pé da letra as idéias de Karl Marx e o radicalismo de Fidel Castro. Nossa direita ainda tem o nacionalismo e dotes de coronelismo como referência. Sobra alguma chance para a discussão do aborto quando o liberalismo é o que o Estado reconhece por suas diretrizes pessoais?
        
Na edição de 28 de agosto a Folha publicou algumas opiniões de parlamentares sobre o assunto. Pelo menos uma surpresa foi constatada. A tendência seria que a esquerda atrapalhada do PT fosse favorável à idéia e a direita envergonhada do DEM fosse contra. Vou postar a opinião de João Bassuma, deputado do PT da Bahia; "Vou argumentar que a missão de legislar é do Congresso. No meu entendimento, liberar isso para casos de anencefalia é abrir uma porteira para que se faça o mesmo em casos de outras deformidades, até se chegar à eugenia.". Histeria que comprova os valores caducos da nossa sociedade, a única do mundo que ainda acredita no direitismo conservador e não entende na incorrigível relação entre liberalismo e capitalismo para incremento de lucros.
 
Liberar o aborto de fetos anencéfalos é só o primeiro passo. Existe a necessidade de um plebiscito pra legalizarmos de uma vez o aborto. Os americanos projetam que exista, anualmente, mais de um milhão de abortos clandestinos no Brasil. A maioria desses abortos acaba mal sucedido, levando às mulheres ao SUS, ocasionando aumento de custos e ocupando leitos.
 
Não se propõe a possibilidade de abortos a cada 9 meses. É notório que não é saudável se submeter a isto seguidamente. O que se propõe é examinarmos o direito de mulheres violentadas de conseguirem pelo menos uma chance de eximir traumas psicológicos gravíssimos decorrentes do estupro. O que se propõe é examinarmos idéias de planejamento familiar, ainda muito cruas no Brasil. Todos nós sabemos o problema social que é um menor de rua. E não é preciso pensar muito para deduzir que essas crianças são mais que vítimas da péssima distribuição de renda do Brasil.
 
O Brasil nunca vai legalizar o aborto. Por mais que o ministro da saúde lembre a população que é necessário aplacar a hipocrisia. Por mais que a conjuntura social piore. Nosso legado no mundo é carregar as idéias dos séculos anteriores dando toques morais de escola de samba. É ponto do conservadorismo hipócrita do país do carnaval. É vitória das pessoas que confundem direita com feudalismo chinfrim. O resultado de todo nosso atraso é que continuaremos a ver crianças abandonadas e mulheres transtornadas. O conceito de família no Brasil se tornou este: reprodução. Mecânica. Onde pobres casais chegam ao cúmulo de serem obrigados a sofrer a morte de um filho no próprio ventre onde depositavam aquele que seria o maior tesouro da vida deles.
 
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