Publicado: Sexta-feira, 15 de setembro de 2006
João de Camargo
O mito, João de Camargo
Lilian Sartório
O MITO JOÃO DE CAMARGO
O filme Cafundó buscou inspiração na vida real do ex-escravo liberto, tropeiro e milagreiro, João de Camargo, negro saído das senzalas que se vê tragado pelo mundo em transformação da realidade bucólica à urbana. Ele viveu até os 84 anos na cidade de Sorocaba, São Paulo, no final do Século XIX e início do Século XX. O ex-escravo nasceu em Sarapuhy (São Paulo) em 1858. Trabalhava como capataz em uma fazenda em Sorocaba. Sem nenhum preparo, sem trabalho, sua única opção seria ir para a guerra [a Revolução Federalista], mas acabou fundando uma religião e se tornando um líder quase messiânico. É um exemplo de humildade. Derrotado e delirante, deslumbrado com o mundo em transformação e desesperado para viver nele, foi tomado pela visão que o encarrega de uma missão divina à frente de seu povo: ajudar o próximo.
João de Camargo saiu da senzala, passou por tudo de ruim, deu a volta por cima e se tornou um líder religioso. Conta-se que numa tarde de 1905, quando uma forte tempestade caía sobre a cidade, Camargo decidiu voltar para a fazenda, mesmo estando embriagado como de costume. Ele teria parado na cruz erguida em homenagem ao garoto Alfredinho, que morreu vítima de uma queda de cavalo. Foi então que adormeceu e teve uma visão ou um sonho, como chegou a afirmar. No sonho, o menino em forma de anjo, Nossa Senhora e São Benedito, santo cultuado pelos negros, teria conversado com Camargo, que depois do episódio, deixou de beber e passou a se dedicar aos pobres e doentes. Ele acredita ser capaz de curar e acaba curando.
Ele lidou com o mistério e o oculto, fundou uma religião e ganhou fama de milagreiro. Depois de ter tido a visão, passou a curar doentes com as águas de um córrego (Água Vermelha) e a conquistar adeptos realizando pequenos "milagres", fundando assim uma nova religião, que misturava todos os santos e crenças das raízes negras e judaico-cristãs.
Com o movimento de fiéis de todos os cantos do Brasil aumentando a cada dia, uma capela foi construída a 150 metros dali - a Igreja de Nosso Senhor do Bom Jesus da Água Vermelha, cuja edificação existe até hoje. Líder carismático, João de Camargo é cultuado como santo. É inspirada nele a imagem do preto velho pensando, vendida nas lojas de produtos religiosos.
Nhô João, como é conhecido entre os fiéis, fundou uma religião sincrética, unindo os princípios cristãos aos do candomblé, da umbanda e do espiritismo preconizado pelo francês Alan Kardec, com forte influência da cultura africana, entre cantos, meditações e crença em divindades. Transformado numa espécie de bem-aventurado, João de Camargo morreu em 1942 aos 84 anos.
Em muitas localidades, sua memória é reverenciada até hoje como milagreiro. Sua morte, transformou-o numa das lendas brasileiras - o Preto Velho João de Camargo. Estudiosos sugerem que o processo contra João de Camargo acusando-o de curandeirismo teria sido o ponto de partida para a institucionalização da umbanda e do candomblé no Brasil. Por conta disso e de sua enorme legião de seguidores, João de Camargo tornou-se objeto de estudo acadêmico. Aos 22 anos, Florestan Fernandes escreveu a monografia Contribuição para o Estudo de Um Líder Carismático, em que procura analisar o culto à personalidade religiosa.
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