Cultura

Publicado: Quinta-feira, 29 de março de 2007

Almeida Júnior, um criador de imaginários

Percival Tirapeli escreve sobre a exposição em SP

Crédito: Percival Tirapeli Almeida Júnior, um criador de imaginários
Exposição sobre Almeida Júnior na Pinacoteca de SP
por Percival Tirapeli - vice- presidente da ABCA e professor doutor livre-docente do Instituto de Artes da UNESP.

Com a emoção latente de ter percorrido novamente Almeida Júnior, um criador de imaginários - finalizando as comemorações dos cem anos da fundação da Pinacoteca do Estado de São Paulo - é que escrevo sobre a exposição. Aguardada desde 1999, quando se comemorou os cem anos da morte do grande artista ituano que viveu intensamente para a arte apenas 49 anos, ocorre agora de 25 de janeiro a 15 de abril de 2007 , aberto que foi no dia do aniversário de São Paulo. O presente não poderia ter sido melhor. Maria Cecília França Lourenço, ex diretora da Pinacoteca, durante sua vida produziu inúmeros trabalhos acadêmicos sobre a vida e obra do autor de Descanso do modelo. Acompanhados de um catálogo da melhor qualidade crítica e gráfica, podemos entrar nesta obra pictórica de maneira aprofundada e exposta com a visão de uma expert.

A Aurora (1883),  um tondo pairando no plafond, desperta nossa sensibilidade para adentrar nesta obra enigmática para aqueles tempos finais de império e iniciais republicanos. Atual para nossos olhares contemporâneos. A princesa Isabel ao comentar o palacete de d. Veridiana Prado como uma maravilha do requinte francês na terra dos barões do café, não teve a mesma sorte ao elevar seus olhos para a alegoria adormecida  - Aurora - em uma luz magistral cercada de anjos.

Deixando o olhar imperial entra-se no núcleo Tempo Humano nas duas salas menores nas quais os pequenos retratos tomam os espaços. Em cada um dos ambientes a curadora nos provoca com obras enigmáticas. O menino que pede silêncio enquanto come uma banana nos recebe tendo ao fundo a Cena de família de Adolfo Augusto Pinto (1891) enquanto Nhá Chica (1895) se despede à porta, pitando, olhando com aquela sabedoria de que sabe de tudo e de todos que ali passam e ainda serve um cafezinho desde o parapeito da janela. Recado difícil (1895) completa este núcleo do Tempo Humano, o menino tímido se despede e vai correr mundo. É o Almeida, caipira em toda parte, na fala e no traje.

Natureza e Cotidiano
é o núcleo que tem como obras de resistências o O derrubador brasileiro (1879) e Saudades (1899). É interessante não termos que dizer obras de juventude e maturidade mas é trágico apontar obras do princípio e fim da vida. A energia da massa lítica que emoldura a estrutura corpórea do homem que pita e asculta o murmúrio da água é toda uma promessa pictórica que se confirma desde sua trajetória parisiense. Saudades é o contraste de tudo. Pouca luz entra no ambiente delineando a lúgubre roupagem. O rosto é feito para conter as lágrimas e o véu sufoca o soluço. A intimidade da alma é exposta, assim como a energia sensual do brasileiro.

Grandes composições sacras convivem com as paisagens, na sala onde está a  natureza que o pintor tanto percorreu nos arredores de Piracicaba. A estrada (1899) brilha com o azul cerúleo e o ar puro do campo, longe da escola de Barbison.

Trabalho em constraste mostra as mais festejadas obras do acervo da Pinacoteca que faz jus ao artista que, mesmo tendo estudado em Paris, recusou as benesses de viver no Rio de Janeiro, ambiente da corte, e se embrenhou alma caipira adentro. Os estudos de Caipiras negaceando são dispostos em ambientes diferentes. Amolação interrompida (1894) e Violeiro (1899) formam uma sinfonia da mais profunda criação. O centro do quadro é a viola, e o vazio do fundo está preenchido pelo ponteio. O caipira que amola o machado nos saúda, envolve, nos convida para uma festa de São João que vai acontecer dalí a pouco quando o violeiro vié pra cantá e o Caipira picando fumo (1893), terminá o pito de paia.

A cozinha de um lado e o homem arrumando o arreio completa este local perfumado de mato cortado, terra molhada pela chuva e o azedume do fumo de rolo.

O ambiente mesmo descontraído do ateliê em Paris no qual retrata Descanso do Modelo (1882) – são apresentadas três versões – contrasta e rima com aquela arquitetura caipira. Ocorre que a vibração pela vida está no acompanhamento do ritmo da modelo que tomou conta do artista. Interrompido o ato de pintar, se delicia a contemplar aquele torso digno de Ingres. Quanta sabedoria na composição do pequeno recinto artístico!

No Espaço para a vida moderna a curadora selecionou os ateliês do artista tanto no Brasil quanto em Paris. A musa inspiradora A pintura (1892) espreita tudo e todos até o pequeno quadro do menino deitado ao solo sonhando em ser futuro artista. Fechando esta abertura na intinidade do trabalho do artista, O importuno (1898) nos prepara para ver a última sala que, desde a entrada da exposição , mostra Leitura (1892), autêntica janela para olhar além da vida e da paisagem do grande pintor. A luminosidade da tela rompe a espessa parede, amplia a vida do artista que, ausente, deixou parte de sua materialidade – uma capa sobre a cadeira vazia – e rumou para ser eterno. Um último suspiro, Depois da festa (1886), fecha a exposição, tendo sobre o toucador cena emblemática do mundo burguês, uma máscara, camélias, leques, colares de pérolas, frascos de perfumes, tudo aquilo que Almeida Júnior jamais precisou em vida.

É uma viagem ao imaginário deste republicano que trabalhou durante o Império. Fez e refez estudos que a curadora tão bem soube aproveitar na impossibilidade de expor grandes composições como Fuga da sagrada família para o Egito (1881), Partida da monção (1897) e Caipiras negaceando, tão ovacionada na ocasião de sua exposição em São Paulo em 1888, quando os republicanos, às vesperas de verem seus ideais cumpridos, elegeram esta pintura como autenticamente brasileira, tanto pelo tema como pelo olhar do artista sobre a brasilidade. Se se pode dividir em dois períodos a prática das artes plásticas no Brasil, Almeida Júnior continua sendo candidato à ruptura, pois aponta novos rumos realistas e conscientes olhares sobre o que nos circunda. Tão bem Maria Cecília França Lourenço expôs e dirigiu nosso olhar para a compreensão deste artista - que no Brasil fecha o cen&aacu
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