Pequenos prazeres
(Depois de 10 meses de intercâmbio acadêmico na Espanha, senti a necessidade de comparar, refletir e tentar mostrar um pouco de como foi a experiência, para mim. Porque viajar é bom... Mas voltar pra casa é sensacional!)
Intercâmbio é trocar rodas por asas. São os segundos de intensidade entre o pulo de bungee jump e a corda esticada. Salamanca é mais. São centenas de pessoas pulando ao mesmo tempo, com ganas terríveis de soltar o que te puxa de volta, abrir as asas e voar de vez.
Porque por mais que não estejamos completamente presos, antes do voo, a rotina é quem nos acorrenta aos ônibus lotados, à pressa e ao pão de queijo gelado, com gosto de ontem.
É querer o banco da praça, sem a buzina. E o labrador desengonçado. Derrubando as cadeiras do café, sem a censura dos garçons. É experimentar o café quente, queimar os lábios e se lambuzar. E seguir o cheiro de chocolate até encontrar a barraquinha de waffles, a caminho da Universidade.
É perceber que é possível pagar todas as suas despesas mensais com 300 euros e que os cheeseburguers de 1€ do McDonald’s sempre te salvam, quando a viagem é grande demais para o seu bolso.
No inverno, é rir da quantidade de camadas de roupas colocadas apenas para levar o lixo até a esquina. E suspirar de alívio, ao sentir o calorzinho gostoso emanado pela calefação de casa, antes de dormir com o seu melhor pijama de verão.
No verão, é saber que nem todos os litros de água da sua geladeira serão capazes de matar a sua sede. E que implorar por uma brisa pode fazer o seu dia parecer incrivelmente mais longo.
É saber que depois de uma semana de chuva, com o primeiro sinal de sol, meia cidade vai para a rua. E que mesmo com o final de tarde frio, todos estão lá para ver o céu.
É ver o céu.
E entender que limites de andares em construções urbanas podem mudar o seu dia.
É passar uma tarde pensando na diferença dos idiomas. E no peso enorme que tem agradecer sendo “obrigada” ou dando “graças”...
É querer passar a noite fora, mas ter que acordar cedo para a aula de Gramática. Voltar a pé para casa, às 5h da manhã, sabendo que a maior das suas preocupações será encontrar a chave de casa, perdida dentro da bolsa.
E não duvidar de que seus meios de transporte mais eficientes serão sempre seus pares de All Star; que em 20 minutos caminhando para qualquer lugar, você chega ao final da cidade. E que o mapa que veio junto com a sua carta de aceitação não estava errado em omitir o resto das ruas, depois do rio.
É abrir os poros para todas as sensações. E arrepiar, quando as luzes da Plaza Mayor acendem, causando exclamações inesperadas de êxtase em todos os que estavam presentes.
É ter como grupo de trabalho gente de todos os continentes. E falar em Espanhol com um chinês que cursa literatura inglesa e oferece um jantar mexicano para os seus amigos brasileiros.
É desvendar mitos e comprovar verdades. Provar os verdadeiros churros, pagar no máximo 10€ pelo melhor vinho comprado no supermercado e descobrir que é infinitamente mais prazeroso viajar de trem... Mas que muitas vezes é mais caro, também.
E aí, então, descobrir as companhias aéreas low cost e suas ofertas mágicas de 5€, de Madrid a Marrakech – ida e volta.
É quebrar algumas barreiras... E levantar outras. Conhecer o outro, mas conhecer a si mesmo. É sentir o prazer dos extremos, mas apreciar a paz dos meios-termos.
É viver realmente como se cada dia fosse o último. E aproveitar os prazeres e desprazeres com toda intensidade que merecem. Porque sabemos que a experiência tem dia, hora, classe, poltrona e às vezes uma escala para acabar.
Eterna e efêmera...
Como a qualidade do instante.
E o momento em que as rodinhas do avião tocam a terra, novamente.
- Tags
- domitila gonzalez