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Publicado: Quarta-feira, 6 de maio de 2015

"Mamãe, mamãe, eu te lembro o smartphone na mão"

Crédito: https://www.flickr.com/photos/  "Mamãe, mamãe, eu te lembro o smartphone na mão"
As mães só precisam ser suficientemente boas

Dentro ou fora de casa, o que não falta às mães é trabalho dobrado e uma súplica tímida aos céus por mais autocontrole, paciência, criatividade, amorosidade, discernimento, genialidade, sensibilidade, tempo, tempo, tempo e, se não for pedir muito, uma certeza absoluta sobre como agir com os filhos mesclada quiçá de poderes mágicos. São mais ou menos assim os anseios das mães destes tempos modernos, notadamente aquelas que buscam no trabalho fora de casa uma forma de ampliar o conforto ou mesmo garantir a sobrevivência dos filhos.

Como não fosse pouco tanto malabarismo diário, as conclusões da psicologia parecem não refrescar para elas a culpa de suas ausências: “O primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe: a sua expressão, o seu olhar, a sua voz...” (D. Winnicott).  E quem pensa que afirmações como estas pipocam por coincidências do azar diante dos olhos das mães, possivelmente não vive o drama delas na pele, nem nos cabelos brancos precoces. Em geral são elas mesmas que, muitas vezes na calada da noite, vasculham nos livros, revistas ou internet uma culpa a mais para se coçar. 
 
No entanto, na ânsia por constatar se estão sendo ou não boas mães, a muitas passa despercebida outra função materna defendida pelo mesmo autor e por uma infinidade de outros: a de que as mães só precisam ser suficientemente boas. Nas últimas décadas, muita coisa mudou na rotina de vida de multidões de mulheres, fazendo com que a velha e famosa homenagem às mães: “Eu te lembro o chinelo na mão”, carecesse hoje de boa correção. Não só porque bater não educa (a menos que a ideia seja condicionar), mas porque suas mãos estão ocupadas com novos projetos de vida. Quando não estão segurando um celular nas negociações de uma empresa, estão sacudindo o termômetro para medir a febre de um dos filhos que, muitas vezes, parecem ter combinado adoecer em rodízio. Quando não estão agarradas ao volante para colocar os pequenos na escola, apertam firme um bilhete na corrida desabalada para alcançar a tempo o voo numa ponte aérea. 
 
“Mas que imagem meu filho terá de si mesmo se tenho tão pouco tempo para estar e brincar com ele?”.  “O que faço com esta sensação de desigualdade ao ouvir que, principalmente no início, tudo depende mais da presença materna?”. É neste ponto que entra a mãe suficientemente boa. Ter uma mãe perfeita pode ser tão prejudicial para a formação de um filho quanto uma mãe desatenta ou relapsa. Ser suficientemente boa é ser uma mãe real que, embora proteja suas crianças das questões com as quais elas ainda não podem nem devem lidar, também se dá o direito do questionamento e de reivindicar com firmeza o suporte imprescindível de quem dividiu com ela a concepção dos filhos. É fazer o melhor que pode sem chafurdar em cobranças que só fazem frear seus mais promissores sonhos, transformando-a talvez num espelho desencantado onde os filhos e filhas irão se mirar e repetir possivelmente a mesma renúncia.
 
Ao se reconhecerem pelo que reflete hoje o rosto de suas mães, pode ser que muitas crianças se vejam também inquietas, mas provavelmente hão de captar também o aperto no coração delas pela divisão entre ser mãe e mulher. E como ser amado é o que no fundo importa, vale lembrar Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.  É quase infinita a conta dos exemplos onde uma única intervenção amorosa foi capaz de reorganizar os caminhos de alguém dado de antemão por perdido. Sendo assim, e se até um relógio quebrado acerta a hora duas vezes por dia, quanto mais uma mãe amorosa poderá acertar se confiar na centelha da força de vida que, do jeito que pode e no tempo que tem, está transmitindo aos filhos. 
 
Resta lembrar ainda que menos presentes ou não, existe um poder infalível que dura para sempre nos pais, e especialmente nas mães: o poder eficaz de sua voz e a autoridade do lugar que ocupam. Lembrando que raramente alguém se revela traumatizado pelas palavras de um vizinho, amigo ou parente não designado para educa-lo, o simples modo materno de falar com os filhos, tem o poder de ampará-los em qualquer tempo ou lugar. E como se aqueles poderes mágicos que um dia suplicaram aos céus tivessem enfim sido lhes concedido, uma boa conversa de mãe pode até reverter o passado, reparando retroativamente algo que os filhos tomaram como abandono quando não podiam diferenciar ausência física de falta de amor. Sobre isso, vale também embalar essas reflexões nas palavras do sábio e porque não maternal Eduardo Galeano: "A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo”.
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