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Publicado: Sexta-feira, 28 de julho de 2017

Vida pós-maternidade? É possível?

Crédito: APCRC Vida pós-maternidade? É possível?

Certa vez uma amiga me perguntou após o nascimento do meu filho: você desistiu de ser mulher? Essa pergunta povoa minha mente em alguns momentos e acaba que chego sempre na mesma resposta: "não". O nascimento do meu filho com certeza foi um marco importante na minha vida, consome grande parte de minha energia vital e diária, porém ainda sou eu, ainda tenho meus sonhos, meus desejos, minhas vontades egoístas, minha existência particular. Como então conciliar ser mãe e ser mulher?



Nos primeiros anos de vida dos filhos há uma necessidade primária de cuidados que não devem de fato ser negligenciados, contudo, passada essa fase inicial, que deve ser absorvida e gerenciada pelo coletivo familiar que circunda essa criança ou esse nascimento (mãe, pai, avós, tios, amizades próximas), a mulher deve iniciar um exercício de reconstrução de sua identidade, de sua existência enquanto uma pessoa de desejos singulares.



Concordo que a sociedade na qual estamos inseridas não tem estrutura emocional, física, econômica, para agregar uma das características mais fantásticas da espécie humana, que é a reprodução. Imagina você ter o potencial de gerar vida dentro de si, parece até uma experiência alienígena! Bom, voltemos ao assunto, penso que a discussão deveria ser menos “como fazemos para nos masculinizar” e assim conquistar os mesmos postos, as mesmas carreiras, as mesmas vidas, e também as mesmas doenças masculinas e mais “como garantir recursos, proteção, estrutura, respeito, para sermos mães, mulheres e o que desejarmos”.



A divisão de trabalho num coletivo social é antropológica, ou seja, é uma das bases da constituição social humana, não deveria ser encarada como um problema, pois, enfim, ninguém consegue fazer tudo a todo tempo, é necessário haver divisões de acordo com as habilidades, competências e desejos de cada um. O que não dá para aceitar é ainda vivermos numa sociedade que entende o trabalho exercido pela mulher como menos ou sem valor agregado. Isso é jurássico! A segregação de gênero é um dado muito anti evolutivo, se pararmos para observar, machos e fêmeas de outras espécies somam forças para assegurar que suas crias sejam sucessos evolutivos. Em espécies mais sociais, como os macacos por exemplo, o coletivo soma forças para garantir a mesma situação. Então por que nós, ilustres humanos, criamos uma condição de vida na qual homens e mulheres guerreiam diariamente, se matam, se desrespeitam, se hostilizam?



Veja que não estou falando sobre particularidades da vida e das escolhas sexuais e muito menos de religião ou política partidária, falo sob uma ótica existencial, evolutiva, enquanto seres que compõem uma cadeia ecológica muito maior do que suas questões afetivas particulares. É possível ter vida pós-maternidade? Sim, é possível e necessário, pois senão estaríamos criando um exército de pequenas criaturas absolutamente ego centradas, que entendem o universo apenas sob a ótica de seus interesses internos, com súditos bem adestrados ao seu redor satisfazendo todas as suas vontades. É importante que a criança recém chegada entenda que a vida e as pessoas já existiam antes de seu nascimento e que seus prazeres imediatos terão que ser incorporados às necessidades das outras pessoas que coabitam no mesmo espaço. E esse aprendizado difícil é recheado por inúmeras frustrações, choros, discordâncias, mas ainda sim efetivamente necessário e crucial para um desenvolvimento saudável.

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