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Publicado: Segunda-feira, 3 de janeiro de 2005

Valores perenes ou relativismo ético?

É fácil perceber que o Ocidente “cristão”, Europa e Américas, caminham para o relativismo ético. Cada qual julga ter a própria verdade. O que é valor aqui é desvalor ali. Na cultura norte-americana, pragmatismo é o nome que equivale ao relativismo. Bom é o que é útil. Mau é o que contraria o que é útil levando a resultados negativos.

O relativismo e o pragmatismo acabam, inexoravelmente, conduzindo ao permissivismo ético-moral. Cada qual faz o que quer e que ninguém se intrometa na liberdade absoluta e sem limites do outro. É fácil, também, descobrir tanto no relativismo quanto no pragmatismo o falso e maquiavélico princípio de que os fins justificam os meios. Para obter bons resultados todos os meios seriam legítimos!

Alguns exemplos esclarecem o que dissemos. Para este a vida, em especial a do nascituro é, em qualquer circunstância, intocável e sagrada, pois o feto é sempre inocente, estando em seu devido lugar. Para os relativistas tanto faz ser a favor ou contra o aborto. No campo da sexualidade humana, particularmente em nossos tempos eróticos, tanto faz ser favorável ou contrário ao homossexualismo. Você é que decide pelo casamento hetero ou homossexual.

Valeria o mesmo, por idênticas motivações, para questões de justiça e de direito, do mundo dos negócios e no relacionamento das pessoas e grupos. Para uns, justo é o que é de direito de cada um. Para outros, justo é o que lhe é vantajoso. Pouco faz um governo ser favorável ou desfavorável à natalidade. Estariam igualmente certos a China comunista que veta a cada casal ter mais de um filho, como os que dão ao casal o direito de ter os filhos que desejar, podendo criá-los e educá-los convenientemente. Nesta delicada questão dá na mesma o casal ter ou não ter filhos, através de quaisquer métodos!

Há sexólogos que valorizam a abstinência sexual dos jovens antes do casamento, como há sexólogos e governos, e o nosso é um deles, que incentivam os jovens a transarem à vontade, desde que usem um preservativo. E se a jovem vier a engravidar antes ou depois do casamento, tanto faz respeitar o direito do filho nascituro à vida ou, simplesmente, eliminá-lo abortando-o. Puro relativismo moral!

Os exemplos se multiplicam às centenas e na lógica do relativismo justifica-se, por exemplo, tanto a democracia quanto a ditadura. Em certas circunstâncias, afirmam alguns, a ditadura seria até melhor que a democracia! Os orientais muçulmanos optam ainda hoje pela teocracia como a melhor forma de governo. Os judeus prosseguem abusando do “olho por olho, dente por dente”, partindo para os “assassinatos seletivos” das lideranças palestinas anti-sionistas. Os norte-americanos, pelo menos o Presidente George W. Bush e sua equipe de governo, justificaram a invasão do Iraque falando em “guerra preventiva”. A “defensiva”, como no caso do Afeganistão já não seria suficiente. Deu no que deu: os norte-americanos ganharam a guerra em apenas três meses, mas estão perdendo a paz já vai para dois anos. Fruto da insensatez e do relativismo ético!

Afirmações como as que correm entre nós: “É dando que se recebe” — “Rouba mas faz” — “Estupra mas não mata” — “Tanto faz a fidelidade quanto a infidelidade partidária” — “Prevalece o poder dos mais fortes” — e tantos outros, vão passando entre nós, dia após dia, da teoria à prática, sem a menor cerimônia. Tudo é relativo e o importante é tirar vantagem do que se faz. A barganha, que desconhece, passando por cima de todo e qualquer princípio, a corrupção notável no mundo da política, dos costumes e dos negócios, avança a olhos vistos. Pragmatismo!

Afinal, chega-se ao ponto em que é preciso reconhecer e respeitar, custe o que custar, o que corresponde ou não à natureza e à dignidade humana. É absolutamente necessário admitir que nem tudo é honesto e eticamente aceitável. Pessoalmente, não vejo como superar a confusão e a subversão dos valores, em que hoje nos encontramos, sem um referencial que seja válido para todos em qualquer tempo e lugar. Venho refletindo, freqüentemente, a respeito desse problema. Esse referencial é duplo: o direito natural e a dignidade humana. Vale para cristãos e não-cristãos, crentes, ateus ou agnósticos. Para definir algo como ético ou anti-ético, moral ou imoral, honesto ou desonesto os referenciais têm que ser, pois, a natureza humana comum a todos e a conduta de acordo com a as exigências da dignidade humana.

Animais não têm qualquer problema ético. Irracionais, eles são determinados pelo instinto. Atuam segundo os instintos, perfeitos aliás. Conosco, pessoas racionais e livres, o critério da verdade e da honestidade somente pode ser o da consonância do que fazemos com a natureza e a dignidade humana. O que deverá ser feito, porque ético e honesto, comporta entretanto, sem dúvida, a liberdade de podermos fazer o que é desonesto, torpe e imoral. Seremos, porém, sempre responsáveis ou co-responsáveis pelo bem ou mal praticado livre e conscientemente.

Nessa luz, o respeito à vida do nascituro, em qualquer situação e a justiça, a crença e o culto a Deus, o casamento e a família, o reto uso da afetividade e sexualidade são valores a serem respeitados pelas pessoas e governantes. O direito natural sem dúvida sobrepõe-se ao direito positivo, como a pessoa e seus direitos antepõem-se ao Estado, determinando as competências, os acertos ou as arbitrariedades das constituições, dos códigos civil ou penal e das leis em geral. O que é legal não raro é imoral!Pessoalmente, estou convencido de que há, também, outro referencial e até uma hierarquia de valores. É a revelação divina, a revelação cristã. “Na plenitude dos tempos Deus enviou e nos falou por seu próprio Filho!”. Em Cristo, Deus já disse aos homens tudo o que tinha a dizer. À autoridade sagrada da Igreja fundada por Ele, e mais nenhuma outra autoridade, foi confiada a guarda e a interpretação autêntica da revelação divina, quando alguns textos e passagens da mesma envolvam alguma dúvida. Mas posso assegurar com absoluta certeza aos que desconhecem a revelação cristã, não haver em nenhum caso uma real contradição entre a mesma, a natureza e a dignidade humana, o direito natural. Pelo contrário, os legítimos Pastores da Igreja estamos conscientes de que devemos ser, também, os guardiães incansáveis do direito natural e da dignidade humana. Ela e nós os Pastores o fazemos defendendo os direitos humanos como os da vida e do casamento, da família e do trabalho, da justiça e outros, como realmente vimos e continuaremos fazendo, oportuna e inoportunamente.

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