Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Unidade religiosa perdida

Casamento banalizado, família desestruturada, divórcio, contracepção e abortos são problemas que preocupam no Brasil de hoje. É ponto em que saímos perdendo, comparando a família de ontem com a dos nossos dias, mas há outros: a perda da unidade religiosa, o avanço da corrupção na vida pública, a insegurança total que nos confina dentro de nossas casas.

Estou superando a tentação de transcrever um artigo de Eça de Queiroz, de 1871, na primeira edição de “As Farpas”. Isso poderá ser feito mais adiante, até para ser objetivo e não exagerar na comparação entre o Brasil de ontem e o de hoje. Vamos à perda da unidade religiosa, especialmente de 1950 para cá.

Em geral se lembra que, no Brasil Colônia e Império, praticamente quase toda a população era católica. Nascemos no dia da Santa Cruz e uma primeira Missa marcou o início da colonização brasileira. Vieram os franciscanos, os mercedários, os beneditinos, os jesuítas, tidos como os grandes evangelizadores e catequistas do país. Em 1889, quando a República foi proclamada, 98% da população era católica. Os protestantes não passavam de alguns milhares. Tinham a liberdade de culto mas tinham que ser discretos em suas atividades, pois o Estado era unido à Igreja Católica. Foi notável a expansão dos protestantes históricos e pentecostais na primeira metade do século XX. Hoje o crescimento maior é dos neo-pentecostais, como a Igreja Renascer, a Igreja Internacional da Graça e a Igreja Universal do Reino de Deus.

Convenhamos que os não-católicos fizeram por merecer esse crescimento nas últimas décadas, chegando a 20% da população. Impressionam, de um lado, a deficiente evangelização e catequese dos católicos e, de outro, o inteligente uso de rádios e canais de televisão, das visitas domiciliares e do acolhimento personalizado, com que nossos fiéis titubeantes sempre foram acolhidos nas Igrejas evangélicas. Os resultados estão aí. Hoje os católicos não passam de 70% e nem sempre são praticantes e adultos na fé. E a evasão continua.

Claro que estamos cada dia mais conscientes dessa situação que ouso dizer humilhante, responsabilidade nossa e não da graça divina, da verdade de nossa Igreja. Acabamos pagando o alto preço de nossas omissões, incompetências e falta de espírito missionário, abrindo espaço nas periferias urbanas para as várias igrejas neo-pentecostais. Não deve ser um conforto, a não ser para os desavisados e superficiais, saber que também os protestantes históricos dos séculos XVI e XVII estagnaram e continuam perdendo espaço no Brasil. Compete a eles fazer a avaliação das causas de sua atual situação.

A perda da unidade religiosa é sempre um mal, pois quando um povo tem a mesma fé, vivendo-a intensamente, essa unidade cimenta melhor a fraternidade e a solidariedade, aglutina em torno da mesma mesa e do mesmo pão, reúne em torno dos mesmos valores éticos e morais. Toda a vida social se ressente dos benefícios da unidade religiosa, as ovelhas em torno dos mesmos Pastores.

Sei que nem todos sintonizam com a convicção sincera que tenho, de que o mal do pluralismo religioso teria sido muito maior no Brasil sem o bem que vieram e continuam fazendo os nossos diversos Movimentos Eclesiais, entre eles o Focolares, as Equipes de Nossa Senhora, o Cursilho de Cristandade, o Movimento dos Jovens de Emaús, os Encontros de Casais com Cristo, as Comunidades Neo-Catecumenais e a Renovação Carismática Católica. Lembro ainda a Opus Dei, Comunhão e Libertação, os Legionários de Cristo...

Mais delicado é verificar que boa parte dos que deixaram nossas comunidades foi de pobres. Isso parece meio contraditório, pois durante pelo menos trinta anos, depois das Conferências Episcopais de Medellín (1968) e Puebla (1979), os jovens e os pobres acabaram sendo eleitos como prioridade na América e no Brasil. Compreende-se melhor a esdrúxula situação quando se recorda que a opção pelos pobres foi “exclusiva e excludente”, ideológica e agressiva, por parte de certos Bispos, padres e lideranças leigas em todo o país, principalmente na Amazônia e no Nordeste.

Com todo seu prestígio e audiência, nossa CNBB perdeu espaços importantes na vida do país e na formação da opinião pública. Faça Deus que as novas diretrizes adotadas por nosso episcopado há uma década e o despertar do zelo missionário leve a maioria dos católicos, liderados por seus legítimos Pastores, a prosseguirem evangelizando e educando na fé o nosso povo, nascido à sombra da Santa Cruz e da Hóstia consagrada.

Comentários