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Publicado: Sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Uma vida que deu certo

Não era fácil ser criança no bairro carioca de São Cristóvão. A precariedade era enorme. Em casa ora faltava isso, ora faltava aquilo. As roupas eram poucas, calçados não havia. A cama era simples, a casa era simples, a comida era simples, a vida era simples. Alguns nem a chamariam de vida.

Já que não se pede para nascer e que se morre sem desejar, a solução é aproveitar o intervalo da melhor maneira possível. Como não tinha acesso à escola, uma das várias coisas a que não tinha acesso, resolveu colaborar com o orçamento da casa. Mesmo criança, já sabia da importância do trabalho como fonte de comida para a família.

O pai era pintor de paredes, ele também oriundo de uma vida difícil. A mãe atuava como lavadeira para as madames do bairro. Juntos, os ordenados de ambos não davam para um mês inteiro de despesas. O menino passou a colaborar vendendo doces.

A esperteza já era traço seu na infância. Percebeu que o melhor local para vender quitutes era a porta do colégio do bairro. Descobriu os horários de intervalo e de saída da molecada para fazer boas vendas. Era inteligente e sabia fazer contas. Nunca se perdia no troco, ninguém o enganava. Só não podia trabalhar quando atacavam as crises de epilepsia ou a gagueira era demais.

A convivência diária com alunos e professores do tal colégio rendeu-lhe uma simpatia geral e a amizade de alguns deles. Por compaixão, deram um jeitinho para que assistisse a umas aulinhas. Graças a isso conseguiu alfabetizar-se, aprendeu a ler e a escrever.

Foi um período feliz, mas infelizmente perdeu os pais e ficou órfão de tudo. Já não era mais criança. Estava crescendo e se tornando um rapaz ainda mais inteligente. Durante a adolescência descobriu as bibliotecas públicas e aprendeu sozinho a dominar algumas línguas, como o inglês, o francês e o alemão.

Viu nos concursos públicos o caminho mais curto para a estabilidade profissional. Submeteu-se a vários deles e acabou atingindo sua meta. Graças à carreira no funcionalismo conseguiu um padrão de vida razoável, podendo casar-se. Teve um casamento normal como qualquer outro e, tornando-se viúvo alguns anos depois, ficou solitário e doente até finalmente morrer.

Seu nome era Joaquim Maria Machado de Assis. Um brasileiro que tinha tudo para ser mais um fracassado na vida, daqueles que culpam a pobreza e a “falta de oportunidade” como justificativa para seus infortúnios. Não obstante nascer negro e pobre, em um século no qual as pessoas não tinham ainda reconhecidos os seus direitos básicos, como educação e saúde; descobriu nos estudos e no esforço pessoal o segredo para uma vida melhor.

Machado de Assis tinha inúmeros fatores contra si, mas mesmo assim transformou-se no maior escritor brasileiro. Aclamado em vida e homenageado mesmo um século depois de sua morte. Dono de uma obra extensa e pontuada por verdadeiras obras-primas, que servem de referência para literatos de todo o mundo.

Se nossos governantes prestassem mais atenção na biografia machadiana, talvez se dessem conta de que a solução para melhorar a vida dos brasileiros não está no aumento gradual do PIB ou na redução das taxas de juros. Não está na reforma do sistema político ou na aceleração dos processos judiciais. Não está na criação de bolsas-isso ou bolsas-aquilo, uma versão modernizada do assistencialismo que reina no Brasil desde os tempos de Dom João VI.

A solução para o povo brasileiro está na educação. Pois é a educação o que realmente prepara uma pessoa

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