Colunistas

Publicado: Sexta-feira, 8 de março de 2013

Uma janela para o mundo

“É difícil entender a educação e o modo de viver das mulheres e moças desta terra. Elas vivem sempre separadas do sexo oposto, raramente se permitem ser olhadas por algum estranho, nem mesmo por parentes próximos, e se têm de aparecer publicamente é quando vão à missa na manhã dos domingos. Nesses dias, mesmo com todo o cuidado dos pais, é que são marcados os encontros de amor.

Hoje, uma pessoa bastante confiável contou-nos uma história escabrosa que aconteceu há alguns anos, em Itu. Num domingo, um padre, caminhando depois da missa, viu sua sobrinha observando, curiosa e sem o conhecimento da mãe, através da janela de grade, as pessoas que passavam. O tio foi ter com sua irmã para repreendê-la por estar se descuidando da educação da filha, que, segundo ele, observava furtivamente os transeuntes. À tarde, a irmã mandou chamar seu irmão, que, a essa altura, já estava de novo em casa, e mostrou-lhe o cadáver da filha, que ela havia estrangulado, garantindo-lhe que, a partir dali, ela não olharia mais as pessoas na rua” (LANGSDORFF)

Para Langsdorff o episódio relatado parece ter causado indignação e incompreensão, principalmente porque não entendia os cuidados referentes às mulheres no ambiente brasileiro. Se Langsdorff mostrou-se perplexo ao escutar tal história, por outro lado, a circulação desse acontecimento obtinha um efeito moralizante nessa sociedade e reforçava os ideais acerca da reclusão das mulheres.

As figuras femininas representadas pela mãe e filha nessa história remetem as características ideais alegadas pelo Estado e Igreja às mulheres, ou seja, honradas e mães, pois como indicou Mary Del Priore, dentro dos fundamentos da colonização e do Império colonial português, a imagem da mulher foi sendo idealizada pelo Estado e pela Igreja, com objetivos de se promover o povoamento e a transmissão de normas e valores do Concílio de Trento, onde elas apenas participariam da sociedade por meio da realização da maternidade.

À mãe ficava a responsabilidade de educar sua filha e prepará-la para um casamento honrado, afastando-a de qualquer prática considerada mundana, em que somente se entendia como educação “traços como a castidade, a obediência, a docilidade, a piedade religiosa e o cuidado com os livros perigosos, sobretudo romances.”  Às filhas competia obedecer a seus pais e preservar a honra familiar que estava ligada a sexualidade, pois “ era antes de mais nada algo sobre o qual se empenhavam todos os homens e também as instituições por eles representadas: a Igreja e o Estado. A honra feminina configurava-se então como um bem pessoal de cada mulher, uma propriedade da família, porque poderia atingi-la, e também um bem público, porque estava em jogo a preservação dos bons costumes exigida pelo código moral. Neste sentido, a honestidade feminina significava o recolhimento, o anonimato, e o viver honesta e no interior da casa dos pais, até que o marido a viesse buscar.  A reputação dos parentes dependia das suas atitudes e, assim, era a filha responsável não apenas pela própria honra, como daqueles que a rodeavam. Portanto, a valorização da mulher virgem/honrada contrapunha-se à prostituta.

A casa, então, ganhava espaço como local de preservação da honra feminina e conseqüentemente da família.

Entretanto, mesmo que o castigo fosse grande, não significava que as mulheres restringissem seus olhares, uma vez que os comportamentos foram variados o bastante para não limitarmos as práticas das mulheres do passado, aos discursos ideais acerca do universo feminino. Na verdade, muitas mulheres olharam além das janelas de suas casas e buscaram perante a Igreja e o Estado seus direitos sociais. Pedindo mercê à própria Coroa ou as autoridades locais, as mulheres mostravam-se atentas ao que ocorria além das janelas e sabiam articular e pedir por seus direitos. Nos próximos artigos do mês de março serão exploradas as trajetórias de algumas  mulheres ituanas.

Bibliografia:
ALGRANTI. Leila Mezan. Honradas e Devotas: Mulheres da Colônia: Condição feminina nosconventos e recolhimentos do sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: José Olympio, Brasília: Edunb,1993.
Os diários de Langsdorff. Volume II. São Paulo. 26 de agosto de 1825 a 22 de novembro de 1826. organizador: Danuzio Gil Bernardino da Silva. Editores: Boris N. Komissarov, Hans Becher, Paulo Masuti Levr, Danuzio Gil B. da Silva, marcos P. Braga (In Memoriam). Co-edição: Associação Internacional de Estudos de Meio Ambiente/ Ministério de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia legal, 1997.
PRIORE, Mary Del. Ao Sul do Corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: José Olympio, Brasília D.F., Edunb, 1993.

Comentários