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Publicado: Quarta-feira, 11 de maio de 2005

Um velho a meditar

Nessa figura de Almeida Júnior, a de um velho pensando, ou meditando, que poderá estar ele a pensar? Lembrando-se da sua própria fugidia e fugaz juventude? Dos ódios intransponíveis, ciúmes e preconceitos que margeiam e condicionam toda a existência humana? Da consciência ou inconsciência do ego, paixões, vulcões, dilemas que revelam a essência de que está constituida a alma? Da irracionalidade, justiça ou injustiça do irremediável?

Não, não é o pensador de Rodin, filosófico, na maestria do bronze esculpido, aquela figura magistral em retesada e concentrada configuração, em que alma em tensão e músculos parecem concatenadamente dizer tudo do pensar absoluto, mas em outra forma de arte a mesma significativa preocupação, uma atitude, a reverência de soberana propriedade e alheamento que sempre nos provoca o processo racional do pensamento quotidiano. A obra expressa outra faceta significativa plena de ilações e de fértil alimento à digressão do pensar e divagar, de quem perscruta na Arte o que o artista tenha querido porventura transmitir ou interpretar.

Um velho pensador, que mais parece dormir! . . . Fecha os olhos para abstrair-se e ver melhor, talvez para melhor pensar, faculdade, dádiva divina ou treinamento que em alguma medida a Almeida Júnior faltou, naquele eletrizante momento de sua vida em que a obnubilação faz prevalecer e afirmar em si o sentimento autêntico. Artistas são sempre assim vocacionados: vivem intensamente em espontâneidade com a verdade profunda de seus sonhos. Por isso mesmo, em algum momento fugaz de autenticidade amadurecida, talvez nos tenha querido transmitir, na perenidade do pincel e da expressão da sua magia pictórica, a reverência à serenidade e conspícua concepção do pensar, nessa concentração compenetrada de “um velho pensador” como se estivesse a sonhar ou perscrutar sobre a importância de um ato vital fundamental tão pouco valorado em nossas cada vez mais voláteis e relampejantes sociedades modernas: a compungente quanto imperdoável lacuna na prática da Arte de pensar, a arte ou treinamento de pensar bem e adequadamente, que define o perfil e o caráter e deveria ser o objeto primordial da familia e do programa escolar e educacional dos povos que verdadeiramente anseiam pela vivência e vigência da dignidade de todos os seres humanos.

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