Um turismo que faz bem
Talvez não haja indústria mais sensível às variações do comportamento humano que o turismo. Assim como as grandes manifestações ou violência afastam visitantes, os eventos, relacionamentos ou experiências enriquecedoras em um destino estabelecem fortes vínculos entre e o viajante e o local. Por outro lado, se a soma de esforços coletivos consegue criar uma boa reputação, a má-fé de poucos cidadãos pode prejudicar a imagem do lugar.
O Camboja é um caso emblemático. É gratificante observar o esforço do país para superar um período negro de sua história, uma cicatriz indelével causada pelo genocídio em massa e profundo atraso no desenvolvimento deixado pela criminosa gestão do Khmer Vermelho entre 1975 e 1978. Por conta de uma absurda engenharia social para criar uma sociedade comunista agrária, o governo deportou moradores das cidades para o campo, onde foram submetidos a degradante trabalho forçado.
O saldo da experiência foi 2 milhões de cambojanos assassinados por execução, tortura e fome. É ainda mais doloroso saber que este grupo representava 30% da população e era formado pela elite cultural e educada do país.
Qual o caminho que este pequeno país asiático encontrou para recomeçar sua trajetória? O turismo, hoje responsável por 3,5 milhões de visitantes por ano.
No entanto, dois exemplos opostos ilustram como é possível transformar o turismo tanto em meio de desenvolvimento da sociedade como numa plataforma para o oportunismo de alguns. Primeiro, o lado triste. Autoridades cambojanas que controlam a fronteira da Tailândia com a cidade turística de Siem Reap extorquem abertamente estrangeiros que tentam ingressar no país. Sob todo tipo de pretexto, cobram propinas para autorizar a entrada, ou surgem com “taxas” para cortar imensas filas de turistas com suas bagagens nas ruas, obrigados a enfrentar um serviço artificialmente lento só para viabilizar o suborno.
Mas há também bons exemplos. Como o restaurante Haven Training, no mesmo Siem Reap, avaliado pelos usuários do TripAdvisor (tripadvisor.com.br) como o melhor da cidade. Os fundadores suíços são apartidários e não ligados a credos. Eles se orgulham de transformar desde 2011 o local em santuário para capacitar jovens em condições econômicas desvantajosas, e os preparar para o mercado de trabalho. Vindos de orfanatos e abrigos em áreas rurais pobres, estes rapazes e moças contam também com acomodação numa casa próxima ao restaurante que faz o papel de lar e sensação de família, pois está sob os cuidados de uma mãe com dois filhos. Além do salário, os jovens não pagam aluguel, eletricidade, água, médico, comida e roupa. Tampouco gastam em material escolar e instrutores. No final do treinamento, o Haven Training ajuda os recém-formados a encontrar emprego. “Nossa meta é apoiar estes jovens no seu desenvolvimento emocional e profissional, dando a eles uma real oportunidade na vida”, concluem os fundadores, que querem que o projeto não dependa de donativos e se torne autossustentável em três anos.
* Este texto foi publicado originalmente na coluna Viagens de Negócio, de Fábio Steinberg, no dia 11 de fevereiro de 2014, no Diário do Comércio da Associação Comercial de São Paulo.