Um pequeno mundo

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Desde que nasci, morei num bairro chamado Campo Grande. Pegado a Pompéia, diríamos que era meio caminho para a praia. Minhas memórias de lá são bem mais afetivas do que racionais: foi ali que passei minha infância. Hoje, caminho pelas ruas desse bairro com o mesmo coração enternecido quando do último dia que por lá morei.

Depois de uns oito meses morando em São Vicente, perto da praia do Gonzaguinha, enquanto a nova casa para onde mudaríamos não ficava desocupada, em novembro de 1980, finalmente, chegava à Vila Belmiro.

Era um pré-adolescente, puberdade, mudanças à vista. Uma mudança radical, a casa precisava toda ela de uma bela, boa e baita reforma. Mas, enfim, aterrizava na Vila Belmiro, tendo como vizinho do outro lado da rua o estádio Urbano Caldeira.

Saí da Vila entre 2002 e 2007, quando morei em Belo Horizonte. No mais, um belmirense de primeira! Em Santos, a palavra bairrista é meio ao pé-da-letra. Cada bairro em Santos guarda características, às vezes, bem distintas. Algo que já foi mais acentuado: antigamente você seria capaz de advinhar em qual bairro uma pessoa morava pelo jeito, pela maneira de ser.

O que não seria lá grande novidade se considerarmos que a Santos que boa parte das pessoas conhece está confinada numa ilha. Como é que pode uma ilha territorialmente tão pequena, restrita, pode apresentar diferenças entre um bairro e outro de forma tão aguda?

O nome Vila Belmiro surgiu como homenagem a Belmiro Ribeiro de Morais e Silva, vereador, prefeito, político e empresário local de grande influência na virada do século XIX para o XX. Era dele certas glebas que foram doadas para que se fizesse um loteamento da área que se chamaria Vila Operária, quando da expansão urbana de Santos no início do século passado. 

O projeto era ambicioso: construir um bairro, sob forte planejamento, inspirado nas City Gardens inglesas. Contou com o engenheiro Roberto Simonsen fundador da Companhia Santista de Habitações Econômicas. Com o estopim da 1ª Grande Guerra, o projeto ficou estagnado, e sua execução só seria possível se a idéia importada das cidades inglesas fosse deixada de lado.

Urbanisticamente, a Vila Belmiro é um bairro cujo traçado das ruas e quarteirões são um tanto imprecisos. Não há uma regularidade em seu desenho, há quarteirões de tamanho normal, outros bem maiores. Ousaria dizer que é quase um labirinto. Nada que faça uma pessoa se perder lá dentro, mas certamente é um bairro que não se dispensaria um GPS assim tão facilmente.

A partir dos anos 1920, por interferência dos vereadores da cidade, o bairro ganhou seu nome atual em homenagem ao detentor dos terrenos da antiga área desabitada. Foi nesse ínterim que se mudou para lá o nosso vizinho mais ilustre: o Santos Futebol Clube.

O bairro já teve dias melhores no que tange a preservação de sua arquitetura e à harmonia que existia entre seus moradores. Ao longo desses 42 anos, novos moradores para cá vieram, mas trazendo um espírito de vida reservada que praticamente nada tem a ver com a maneira de ser do bairro. Por conta dessa vida reservada, mudaram-se fachadas e construções antigas deram lugar a alguns prédios.

Ainda assim, é possível, mesmo que em menor número, encontrar moradores da antiga e casas que ainda mantém sua estrutura e arquitetura iguais a da época em que o bairro se chamava Vila Operária. É quase que uma viagem no tempo, apesar de algumas mudanças ocorridas ao longo do tempo.

Ainda é possível encontrar o Seu Caetano, talvez um dos moradores mais antigos do bairro, que descreve como era o estádio Urbano Caldeira como se estivesse vendo o quartel-general santista bem ali, diante dos seus olhos, há 67 anos atrás. Ou uma sequência de casas como a mostrada na foto que ilustra essa coluna.

Crei-me nesse pequeno mundo, entre partidas de futebol, idas à praia, a escola na mesma rua, alegrias, tristezas, mas sempre com o coração apertado de alguma forte emoção quando ouço o singular e nacionalmente famoso nome Vila Belmiro em alguma reportagem ou transmissão esportiva.