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Publicado: Segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um hotel em apuros

Estava hospedado no Intercontinental do Rio no sábado, 21 de agosto, quando ele foi invadido por nove bandidos fortemente armados e a seguir cercado por centenas de policiais. O confronto foi explorado nos mínimos detalhes pela imprensa. Por isso, me limitarei a registrar minha impressão sobre as más condições físicas e de gestão de um hotel considerado de luxo, às vésperas das realizações da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016.

Patinho feio da cadeia Intercontinental, de reconhecida qualidade em todo o mundo a começar pelo ótimo congênere de São Paulo, a unidade Rio já viveu o esplendor há poucas décadas. Atualmente, sinais de falta de manutenção e desinvestimento se notam em todas as instalações.

Foi o caso do apartamento 327, no qual fiquei. O quarto exala um odor de mofo quando o ar-condicionado está desligado. O local exige pintura séria e não mais remendos. O sistema hidráulico implora por reparos – da distribuição de água entre chuveiro e banheira à pressão da ducha higiênica. Os movéis e roupa de cama estão velhos e gastos. O frigobar, mesmo depois de substituído por outro, jamais funcionou por três dias. Tampouco o controle remoto da televisão obsoleta.

Para ser justo, o único patrimônio bem conservado é o corpo de profissionais, gente capaz de dar o melhor de si, mesmo diante das evidentes carências e dificuldades.
Os fatos ocorridos no fim de semana – antes, durante e depois do incidente – expõem o absoluto despreparo do Intercontinental Rio para enfrentar uma crise. E pior: indicam a falta que faz uma gestão preocupada com a verdadeira essência da hotelaria que é a cortesia, o bem servir e a satisfação dos hóspedes.

Convenhamos: um estabelecimento desse nível, instalado entre duas megafavelas como Rocinha e Vidigal, ambas lamentavelmente nos últimos anos com presença forte de bandidos, precisa de um bom plano contingencial e treinamento para enfrentar qualquer incidente. Improvisos não cabem nessas horas.

Quando acionado, o batalhão de choque (Bope) começou a lidar com os invasores e reféns e a vasculhar as dependências do hotel em busca de mais criminosos escondidos. Nessas circunstâncias, como é natural, os hóspedes dentro dos apartamentos, se para o comando militar não eram prioridade, deveriam ser para a administração do hotel.

Não foi o que se viu. Eram oito horas da manhã e despertamos com os elevadores desligados, os telefones mudos ou que não atendiam e sem qualquer comunicação interna. Havia uma orientação genérica e informal, transmitida não se sabe por quem e passada adiante entre hóspedes, para não descer.

Por horas entre o corredor do andar e quartos, a única fonte de informação eram boatos por boca a boca. E, ironicamente, a transmissão ao vivo feita pela televisão, que em princípio – por falta de acesso às instalações e boas fontes – erra mais que acerta sobre o que ocorre.

A partir das 11 horas, um funcionário orientou para que todos descessem pelas escadas de incêndio. Formou-se uma fila interminável (o hotel tem 17 andares) e que não se movia. Havia brasileiros de todos os estados e estrangeiros que vieram participar da maratona do dia seguinte.

Crianças se misturavam a idosos, algumas pessoas traziam apenas a roupa do corpo, outros carregavam malas e pertences. Em comum, todos famintos e desinformados. Até que a fila, a compasso de tartaruga, desembocou na recepção.

Nossos documentos foram comparados com uma listagem de hóspedes por uma policial militar. A seguir, passamos por revista e então fomos encaminhados para o lado de fora. No meio do gramado, ao sol e sem conforto, fomos impedidos de retornar.

Os hóspedes que saíram foram surpreendidos pelos que jamais deram bola ao aviso de evacuação e continuaram até o fim do incidente nas sacadas dos andares, para deleite das câmeras da imprensa ávidas por imagens dramáticas. Foram horas inúteis para os que seguiram a orientação de sair dos apartamentos, sem que em qualquer instante a administração tivesse a gentileza de conversar, oferecer um suco ou um sanduíche, nem que fosse comprado na padaria da esquina. Se o calor do momento impediu esse tipo de preocupação, isso se torna inaceitável a partir do desfecho do episódio, em torno das quatro da tarde.

Nas horas e dias seguintes, jamais os hóspedes receberam uma carta de desculpas do hotel, crédito ou qualquer demonstração de solidariedade em retribuição ao tempo perdido, ao café da manhã não servido ou à falta de atenção durante o conflito por parte dos anfitriões.

Como avestruz, a gerência do estabelecimento escondeu a cara na areia até o fim. E esse tratamento alheio foi consistente tanto com os hóspedes quanto com a imprensa, para quem concedeu entrevista no domingo de manhã, de forma descortês, do lado de fora do hotel, debaixo do sol do meio-dia. O press release emitido é um primor de laconismo. Informa em sete linhas que o hotel "retomou sua rotina operacional após o incidente".

Assim, tudo não passou de mera fatalidade, como se apressa a reforçar a ABIH, associação que representa os hoteleiros cariocas. Mas crises costumam mandar avisos. E, em sã consciência, há quem possa afirmar que o Intercontinental Rio (para não falar em outros) está preparado para os grandes eventos internacionais dos próximos anos?

*Este texto foi pubicado também na coluna "Viagens de Negócio" no dia 24 de agosto, no Diário do Comércio da Associação Comercial de São Paulo.  

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