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Publicado: Segunda-feira, 30 de julho de 2007

Um doce amargo

Para o bem ou para o mal, do mesmo jeito que não se ganha duas vezes na loteria, um raio jamais cai num mesmo lugar. Na vida dos negócios também é assim. Alguém tem uma idéia brilhante, ou pode ficar rico, ou ir à ruína, ou ambas as coisas. Esta regra vale para todo mundo. Exceto Benjamin (Ben) Eisenstadjn, um imigrante judeu do Brooklin que teve duas grandes invenções. A primeira foi colocar açúcar em pacotinhos, numa época em que os bares americanos conviviam com anti-higiênicos açucareiros onde, dentro deles, restos de comida se prendiam a colherinhas meladas. Nada errado com a idéia de Ben. Só que, na falta de patente registrado, foi copiada por dez entre dez produtores de açúcar. De volta à pobreza, um dia, na cafeteria deserta numa área decadente do Brooklin que herdara do sogro, ele reflete sobre a injustiça do mundo. É quando vem o estalo que vai mudar sua vida. Já que não deu certo com açúcar, por que não envelopar sacarina em pó? Este produto, que já existia desde o século 19, era até então vendido em drogarias e hospitais em forma líquida ou pílulas. Atendia somente nichos, como diabéticos e obesos mórbidos. Ou, talvez, algum masoquista de plantão, já o after taste era tão ruim que fazia o consumidor se arrepender de forma amarga (literalmente).
 
Com uma solução caseira desenvolvida com seu filho químico Marvin a partir de 1956, nasce o Sweet N’Low. Nome tirado de poema, dentro de um envelope cor de rosa com nota musical impressa, o adoçante artificial se torna um ícone. Surge na hora certa, num momento em que a sociedade começa a se preocupar com estética pessoal e culto ao corpo. É sobre a saga do patriarca – e sua prole recheada de personagens esquisitos – e sobre um império que chegou a faturar 100 milhões de dólares por ano e dominou o mercado de adoçantes artificiais por 40 anos, que trata o livro Sweet and Low, de Rich Cohen. O autor é neto de Ben, e parte da ala deserdada da família, escreveu quatro livros e colabora com revistas como The New Yorker, Vanity Fair e Rolling Stone. Sua obra, além da ascensão e queda da empresa, traz como brinde um tratado sobre relações familiares judaicas. Mas não parece ter sido escrito como uma vendeta pessoal pela perda do legado devido ao comportamento da mãe (acusada pela avó e a tia do autor de ter indicado um médico parente do marido que, por negligência, acelerou a morte de Ben). Mas é preciso reconhecer que, se não relegado à pobreza forçada, Rich Cohen tivesse se tornado um herdeiro milionário, certamente teria sido menos corajoso, e o mundo perdido uma saborosa história.
 
O livro tem lances de fraude, suborno, investigação do FBI, suspeita de tráfego de drogas, prisões, combinado com doses de mesquinhez, demência, cafonice, incompetência, humor judaico, desonestidade, e lampejos de boa literatura. Exemplo? A cena tragicômica de Ben, jovem imigrante judeu, falando mal o inglês, ao levar troca de roupa para o pai hospitalizado. De volta à casa, explica à mãe que não vira o pai porque, segundo a enfermeira religiosa que o atendeu, “ele se encontrava com Jesus”. O grande mérito de Rich Cohen é provocar a reflexão sobre as empresas familiares, um ciclo que se repete em qualquer lugar, mas de interesse particular para o Brasil. Se no início qualquer negócio visa o sustento e o conforto da família, em certo momento os fatores se invertem. A empresa cresce de tal forma que se torna prioritária, e acaba por destruir os laços familiares. Se empreendedores como Ben Eisenstadt soubessem de antemão o compromisso diabólico que assumem ao iniciar impérios, provocando doses iguais de riqueza e destruição de valores, talvez optassem por abanar moscas sobre imundos açucareiros nas suas cafeterias decadentes.
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