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Publicado: Domingo, 26 de novembro de 2006

Um boxer na minha vida

Crédito: Danny Dubner Um boxer na minha vida
Quem resiste?
Adoro cachorros. Mas nem por isso eu planejava ter um boxer na minha vida. Sei de todo o seu charme quando olha com suas bochechas caídas e o olhar maroto. Mas nem por isso eu pensava em partilhar a minha casa com um. Mas foi assim que aconteceu....de repente, sem planejamento, que é como as coisas costumam acontecer comigo.
Eu voltava de uma viagem, uma espécie de retiro com mulheres amigas. Lembro-me da sensação de paz, enquanto dirigia de volta à minha casa. Eu estava plena de vontade de acalmar a rotina no meu dia a dia e cheia de idéias para a minha casa ficar mais gostosa e acolhedora. Eu estava profundamente tranqüila quando fechei a porta do carro e abri a porta de casa. Foi quando me deparei com o lindo bebê e 3 pares de olhos analisando todas as expressões do meu corpo, para saber a minha reação. Qual seria o veredicto? Um “sim” ou um “não” ?
Não, definitivamente eu não queria. Eu sabia o trabalho que estava por vir. Sabia das noites mal dormidas, dos buracos no jardim, dos latidos em horas inapropriadas. Sabia do tempo – um tempo que já me faltava – que teria que despender para educá-lo. De verdade, tudo o que eu queria naquele momento era andar na paz do meu espírito, o que não combinava em absoluto com a entrada de mais um cachorro no meu lar.
Respirei fundo e decidi que essa escolha não seria minha. Eu não seria a bruxa maldosa que diria não, nem a fada madrinha que diria sim. Eu simplesmente, colocaria o meu ponto de vista e a minha vontade, deixando a decisão por conta dos três.
E no dia seguinte, o boxer já fazia parte da nossa família.
Desse dia até hoje já se passaram 6 meses. Claro que o boxer nos trouxe muitas alegrias. E certamente – como eu previa – a paz que eu tanto sonhava ainda não reina no meu lar. O jardim, que passaria por uma reforma, continua antigo e cheio de plantas comidas e esburacadas. Os latidos muitas vezes impedem a minha concentração. Há momentos em que o meu desespero é maior do que um delicioso abano de rabo quando chego em casa.
E assim seguem os meus dias, transitando entre o prazer dessa relação e os desprazeres que ela também me traz.
Olho para essa experiência e vejo que em muitos momentos da minha vida recebi “presentes” como esse. Situações repentinas, que não pedi para acontecerem, mas que chegam como uma grande onda, invadindo o meu conforto e solicitando que eu mude alguma coisa dentro de mim. São situações novas, onde posso escolher como quero caminhar – na dor ou na alegria, na raiva ou no acolhimento, no claro ou no escuro. Situações que pedem para que eu abra uma nova porta do meu ser, para conhecer algo que ainda não conheço.
Algumas coisas eu já consegui aprender com a chegada do nosso boxer: delegar responsabilidade aos meus filhos, não assumir todas as tarefas, impor um respeito que eu ainda não sabia. Tenho aprendido a ser mais firme, me colocando em primeiro lugar – antes do boxer - e juro que nada disso é fácil pra mim.
Aprendi a aceitar que minhas vontades nem sempre são as principais e que viver em família é isso: a busca permanente de um lar feliz, com espaço aberto para todos, acolhendo o tempo de cada um, nas diferentes etapas de vida e crescimento.
Mas isso á apenas um pedaço da história.
Nesse momento, meu boxer está do meu lado, roendo um grande osso, que eu lhe dei em troca do meu sossego. Minha outra cachorra poodle - que tem medo dele - está dormindo nos meus pés. Estou calmamente escrevendo, em um raro e delicioso momento de paz.
Descobri que posso, quero e devo cultivar esses momentos, seja onde for, do jeito que for possível. Minha paz tem que ser muito maior do que a presença de um boxer ou a demanda de filhos e marido, obrigações do trabalho, responsabilidades com funcionários, obrigações sociais e tudo o mais que nós, seres humanos, teimamos em assumir.
Um boxer na minha vida tem me estimulado a buscar a paz de espírito que eu desejo. Aprendo diariamente sobre meus limites, sobre minha capacidade de doação e sobre a expressão dos meus incômodos. Mais do que tudo, aprendo a aceitar a vida do jeito que ela é, sem querer que seja diferente. Sou apaixonada pelo meu boxer e por suas bochechas. E adoro ver como ele caminha na alegria.
No final das contas, com ou sem boxer, a vida é uma chuva de desafios. Cabe a nós abraçá-los e crescer com eles.
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