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Publicado: Quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Tiros no recreio

Enquanto o rock se transforma definitivamente numa papinha-pop-light para consumo das massas ansiosas por consumo, e mais um tufão, dessa vez o (pasmén) “Roke” assola o litoral do Japão, outra notícia aterradora, além da difusão vertiginosa do “crack”, vem nos surpreender.

Em São Paulo, estado mais rico do país, e o mais parecido com o mundo “civilizado”, um menino de dez anos de idade, aluno de uma escola pública qualquer, levou uma arma para a escola, atirou na professora, e depois se suicidou. Sim, dez anos de idade.

Já chegamos a um ponto de massificação da barbárie, que pouca coisa é capaz de nos tocar. Mas essa notícia não tem como não incomodar até mesmo o mais cético e impassível cidadão deste nosso mundo tão “cool”. (Será?)

Dez anos de idade. Um menino de dez anos de idade. 

Dez anos de idade não é aquela idade que a gente ainda chama professora de tia? 

Dez anos de idade não é nem “fessora” ainda... É tia...

Os meninos de dez anos de idade ainda não devoram com olhos de lobo a “profê”... Eles ainda têm com ela uma relação maternal, ela é uma continuação da mãe, é tia, ainda...

Então quer dizer que um menino de dez anos de idade levou uma arma para a escola, apontou para a “tia”, puxou o gatilho, depois apontou a arma para a própria cabeça e puxou o gatilho? 

Exatamente... Isso mesmo...

Sim, eu sei que meninos de dez anos de idade já andam navegando pela Internet e tendo acesso amplo geral e irrestrito a qualquer notícia ou site pervertido (ainda existe essa palavra? Será que é politicamente incorreto utiliza-la?) tanto quanto qualquer pessoa que saiba navegar na rede virtual. 

Maravilhas do mundo pós-tudo... “Cool”...

Sim, eu sei que meninos sofrem assédios morais e sexuais. Sei que eles assistem a vídeos de psicopatas-pop que também foram assediados. E sei também que eles fazem (e executam) planos mirabolantes de vingança que deixariam qualquer diretor “in-cool” de Hollywood babando de in-veja...

Mas antes costumavam ser meninos mais velhos, né? Antes costumavam ser os adolescentes.

Não que eu ache natural que adolescentes entrem em suas escolas armados de metralhadoras e se vinguem do mundo atirando indiscriminadamente em quem passar pela frente... Mas... São adolescentes, né?

Adolescentes são revoltados, estranhos, meio esquisitões, às vezes... Alguns, os mais “espertos”, chegam a ser até mesmo: “cool”... (alguém sabe o plural de “cool”?) 

Agora... Os meninos... De dez anos de idade...

Os meninos pequenos costumavam ser a nossa salvaguarda, a nossa lembrança da inocência, de alguma singeleza e ingenuidade que todos nós já tivemos um dia... Os meninos de dez anos de idade eram a nossa memória... Dos anjos que já fomos e que... Quem sabe... Seremos novamente... Um dia... Os meninos de dez anos de idade eram os nossos anjos... Guardiões do paraíso...Que perdemos...

Como dizia aquela canção bonita do 14Bis: “Há um menino, há um moleque, morando dentro do meu coração, toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão”...

E como é que o menino vinha dar a mão pra acudir o adulto que balançava?

Justamente trazendo a leveza, a esperança, o olhar limpo e confiante de menino. O olhar de quem ainda acredita nas pessoas, na bondade das pessoas... O olhar de quem ainda estava mais perto do calor aconchegante do ventre amoroso da mãe, do que da frieza dura e cruel do mundo sem amor dos adultos... O mundo “cool”...

Pois um menino de dez anos de idade apontou uma arma para a “tia”, puxou o gatilho, e depois apontou para a sua própria cabeça e se suicidou...

Que precocidade...

Maravilhas do mundo pós-tudo...

Será que a partir de hoje teremos que olhar de outra maneira para os meninos de dez anos de idade?

Será que ainda poderemos continuar contando com eles para nos acudir, quando o adulto desolado e deprimido estiver cansado de si mesmo e da frieza dura e cruel deste mundo... Cão?

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