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Publicado: Sábado, 28 de agosto de 2010

Terra de gigantes

Crédito: Ilustração: Marco Fraga Terra de gigantes

Pimpões, com cara de quem fez e não quer que ninguém fique sabendo, cabelos repartidos e cheirando a sabonete Phebo, pulávamos em nossos pufes. No mesmo quarto em que ficavam os bambis de olhos de vidro - uns de pelúcia curta, malhados de branco e preto, empalhada espécie de duvidoso gosto. Ao menos parecia ser dessa forma que o quadro se definia, já que ninguém tem certeza do que se passa de fato quando se trata de sonho. Fred Flintstone gritava “Wilmaaaaaaaa” entre uma garfada e outra no filé de brontossauro. Tocou a campainha. “Judith de Jesus Bezerra, sua criada” – assim se apresentou aos grandes. E era criada mesmo, pondo-se a espanar os móveis, lustrar com flanela as pratas e agachar-se de um jeito que deixaria os meninos de barba com pensamentos pouco edificantes. Todo dia é dia, toda hora é hora de saber que esse mundo é seu. Pois sucedia que o mundo era posse indiscutivelmente nossa, e nem pensar em dar asilo a estrangeiros de outro quarteirão. O mundo era uma planície de marias-moles e caixinhas de surpresa, que em nada surpreendiam com seus anéis de lata, automovinhos e bichos bobos de plástico. Graça tinha estilingar vidraça, deixar um dos bambis caolhos e mergulhar o órgão extirpado na mousse de maracujá. “Mas quem foi o filho da mãe...” e ninguém era filho de ninguém até que alguém dedurasse, caso tivesse visto. E o sonho corria, e eu me via como se olhasse de uma escotilha vendo o sonho dentro do sonho se estender sem parar mais. O filho do vizinho tocava prato na fanfarra (era mesmo ou só no sonho?) mas tinha que ensaiar para isso, e essa era a pior parte. Raios duplos. Raios triplos. Não quero mais ser pequeno. Um dia ainda tiro carta, aí é que ninguém me pega no meu fusca tala larga. Versão brasileira, Herbert Richers.

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