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Publicado: Terça-feira, 3 de agosto de 2010

Tenho dó de matar os dois

Tenho dó de matar os dois
"Bichos e cultura: tenho dó de matar os dois!"

Quem de vocês aprova o fim das touradas na Espanha? Confesso que não sei o que pensar, se nos bichos ou na cultura. Tenho dó de matar os dois.

O problema parece distante da nossa realidade. Em Cabreúva, minha cidade, é - na verdade era - tradição o leilão de animais na festa de São Roque. Acontece que esse ano o leilão foi cancelado por exigências de ONG’s de proteção aos animais que a Igreja não poderia financeiramente arcar.

Pensar que meus avós, que já morreram há tempos, participavam do famoso ‘leilão de boizinhos’ em comemoração à São Roque e em caridade à sua Igreja, e que isso fez parte da infância dos meus pais e da minha, penso se não valeria mais a pena dar um jeito de cumprir as exigências dessas entidades, e o que fosse preciso pra não deixar a tradição morrer.

Vivemos numa época em que, felizmente, a consciência ecológica cresce consideravelmente a cada dia. As pessoas vêm se preocupando mais em preservar o ambiente e cuidar dos seres vivos e concordo plenamente que os animais não merecer ser torturados, como na Espanha - confesso que não fazia ideia da quantidade de ferimentos que um touro recebe numa tourada, antes de ser sacrificado, coisa que também não fazia parte dos meus conhecimentos - e que devem ser devidamente cuidados e vacinados, antes de qualquer troca comercial, para proteger os seres humanos das constantes zoonoses.

No entanto, sou obrigada a dizer, dói-me muito pensar em ter mais uma tradição quebrada. São esses pequenos costumes, detalhes, causos, que fazem a história de um povo, de uma cidade ou país. Que constroem nossa verdadeira identidade.

Sem querer me aproximar muito da categoria a qual pertencem os que vislumbram o fim do mundo ou coisa do tipo, mas no fim, seremos o mundo inteiro um só país, sem diferença de cores, línguas, rostos, gostos - comeremos todos a mesma comida sem graça, areia talvez - e sofreremos todos dos mesmos problemas. O mundo todo será movido por um só modo de pensar - e quando todos pensam a mesma coisa, acredite, ninguém está pensando - e o mesmo preconceito nos impedirá de mudar. Seremos todos ‘garrafas de Coca-Cola’, igualmente produzidas, embaladas, distribuídas... Ouviremos as mesmas músicas e assistiremos juntos os mesmos reality shows.

Apocalipse à parte, sei que transformações culturais são normais numa sociedade, que automaticamente muda - evoluindo ou retrocedendo, mas acompanhando o restante do mundo. Com a globalização, cada cultura foi automaticamente influenciada, pouco ou muito, por outras, por convivência e comparação (a grama do vizinho é sempre mais verde e culturalmente o outro parece ser muitíssimo interessante ou estranho).

Sei também que hoje não há mais lutas entre gladiadores no Coliseu - coisa que era absurdamente comum, e parte da cultura local, na época - onde soltavam-se animais selvagens famintos para que atacassem os homens. Os tempos mudaram, a cultura também.

Vendo por este ângulo, talvez essas proibições não nos afetem, exatamente, mas nos façam adquirir novos hábitos que, daqui cinqüenta ou cem anos, se tornarão tradicionais. Como disse, ainda não sei o que pensar sobre às tradições, nem sobre os touros.

Mas que me dói matá-los, dói.

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