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Publicado: Sábado, 13 de novembro de 2010

Táxi, táxi!!

Táxi, táxi!!
Ilustração: Thiago Cayres

- Pra onde?

- Pro inferno. Vai pro inferno, meu camarada. Toca em frente, infeliz, no caminho a gente resolve.

- Olha, seria bacana o senhor me tratar com um pouco mais de finesse, caso contrário eu deixo vocês aqui mesmo. Quero ver os dois peladões, a polícia chegando e levando o casalzinho meigo pro distrito por atentado ao pudor. Aliás, o que é que vocês estavam fazendo assim, nuzinhos, em plena Consolação chamando táxi?

- Você se lembra se a maçã era fuji, argentina ou gala, amor?

- Se você que pegou a maçã não sabe, eu é que vou saber? Mulher se liga em cada detalhe, que diferença isso faz agora? Vai se queixar pro Ceagesp ou pro Ceasa? Agora é tarde, minha nega. Já estamos expulsos mesmo.

- Mas o que aconteceu, meu Deus do céu?

- Pois foi o Deus do céu, foi esse mesmo, moço. Acabamos de cair fora do paraíso, ordem de despejo.

- Sei, mas foram expulsos do bairro ou da estação do metrô?

- Não, do paraíso mesmo, meu amigo. Imagina só, a única coisa que o Homão barbudo pediu era pra gente ficar longe daquela maldita árvore. Mas sabe como é mulher, né? Podia ter pego uma jaca, um maracujá, uma meia dúzia de limas da pérsia, chafurdado a fuça numa melancia, sei lá, qualquer coisa daquele pomar lindo, menos a maçã. Ela devia ser expulsa sozinha, a culpa foi dela, caramba.

- Tá bom, e a mordida que você deu? Devia ter recusado quando te ofereci. Aquela serpente era uma víbora, enganou a gente direitinho.

- Agora quero ver o que a gente faz da vida. Você, nuazinha e inteiraça desse jeito, não demora e arruma um dinheiro fácil. Mas e eu, que não sou nenhum Adônis? Como é que eu fico?

- Adônis? Quem é Adônis, Adãozinho?

- Olha, em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, e eu sou só um taxista querendo ganhar a vida honestamente, mas pelo jeito vocês são Adão e Eva. Portanto viveram muito antes desse mitológico rapaz grego, um modelão de beleza – se é que ele existiu de verdade. A Dona Eva tá certa, não tem como vocês terem conhecido ele, não. Aliás, ele é descendente de vocês. E eu também, diga-se de passagem. Somos todos filhos de Caim com não sei quem.

- Moço, explica melhor essa história. Agora bagunçou minha cabeça. Caim é o nosso filhinho!

- É o seguinte: segundo a Bíblia, que começa contando a história de vocês, seu filho Caim matou seu outro filho, o Abel. Sujeito cem por cento, maior ficha limpa. E pra humanidade ter continuado o Caim precisava ter tido uma mulher, que até onde eu sei não consta do Livro Sagrado. A menos que vocês dois tivessem aumentado a prole fora do Jardim do Éden, fato que a Escritura também não deixou claro.

- Aumentado a prole? Acho que não vai ter clima...

- Também acho. A base do casamento é a confiança, e você traiu a minha e a do Criador.

- Dá licença aí, desculpa interromper a troca de gentilezas, mas vou aproveitar que o sinal fechou pra deixar vocês por aqui, viu. Pelado não tem bolso, e onde é que tá a grana da corrida? Alguém pode me mostrar? E já vou avisando que não aceito maçã como pagamento. Ainda mais essa maçã amaldiçoada aí que vocês pegaram.

- Mais respeito, seu taxista. Mais respeito. Não se esqueça que eu sou seu avô, avô distante mas sou.

- Mas avô que se preza não sacaneia o neto.

- Ora, vamos. Seja um netinho obediente. Vou começar a espalhar meu currículo, logo consigo uma colocação e pago o que lhe devo.

- Sei, sei. Se você conseguiu ser expulso do paraíso, imagina de uma empresa...

- Mas já falei, a culpa foi da sua avó!

- Pra fora os dois. Já!

- Neto ingrato. Mas deixa estar. Deus é pai. O Homão barbudo há de fazer justiça.

- Essa é boa, Eva e Adão...

- Repete o que você disse! Repete, seu boca suja!!

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