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Publicado: Sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sonho, mistério e realidade

Sonho, mistério e realidade
Meu interesse está nas relações humanas...

As escolas brasileiras encerraram o ano letivo e para a maioria dos pais, isso quer dizer paz e tranquilidade. Devo explicar: não é nada fácil acordar os filhos adolescentes para que se dediquem aos estudos na melhor hora do sono.  E por mais que os pais sejam responsáveis e persistentes, é demais cansativo lutar contra a natureza biológica e o interesse intelectual dos meninos adolescentes.  

Compreendo perfeitamente a situação. Primeiro porque sou mãe de filhos adolescentes e depois, porque tenho bem forte na memória o sentimento de angústia dessa mesma fase em minha vida. 

Nunca fui aluna excepcional, como as citadas nos discursos dos professores.  Posso dizer com segurança que nos anos de colégio fui aluna mediana, bem razoável: estudava o suficiente para garantir a média nas notas, e com isso ficar longe das reclamações. Logo cedo aprendi a contornar o sistema de ensino e evitar dissabores, como a indesejável recuperação, que nada mais me proporcionava, além da redução dos maravilhosos dias de férias. 

Hoje tenho convicção de que fui aluna desinteressada; jamais incapaz. Na verdade, meu interesse estava - e ainda está - nas coisas da vida, principalmente nas relações humanas.  Trocava qualquer fórmula de Matemática ou tema de História por uma “fotonovela” – será que isso ainda existe? Eram novelas em quadrinhos com fotos reais.  Passava horas estudando as palavras ditas por cada personagem no desejo de compreender o mistério da vida adulta. Em muitas ocasiões, repetia as principais cenas em frente ao espelho do meu quarto, alimentando os sonhos necessários de uma vida a conquistar. 

Por muito tempo escondi a menina que fui: ela não combinava com a mulher-atuante- responsável-dedicada que me fiz.  Sobretudo, porque a escola foi o chão que escolhi para construir a carreira profissional. E cá entre nós, existe algo mais contraditório do que isso? Salvem-me, analistas de plantão! 

Ocorre que a vida é mesmo bacana demais com a gente. E a menina que por tanto tempo escondi tem mostrado sua cara na filha que gerei... E como quem recebe uma segunda chance, posso hoje revisitar uma fase tão rica e criativa, porém esmagada, sufocada pela hipocrisia adulta.   

O mundo escolar está distante da vida dos adolescentes.  Por isso os alunos se fazem desligados, desinteressados, desfocados.  Recentemente, li nas palavras de Martha Medeiros que Franz Kafka escreveu em a “Carta ao Pai” que a escola nada tinha lhe ensinado.  Na obra, Kafka confessa que seus anos escolares foram um desperdício de tempo e dinheiro, e que na fase escolar sua preocupação maior era a “afirmação espiritual da existência”, tornando todo o resto muito indiferente, inclusive os estudos.    

A confissão de Kafka e a adolescência da minha filha têm me encorajado a questionar as verdades de um espaço educativo que não permite o estudo da vida, dos sentimentos, das paixões, das curiosidades... E me permitido cada vez mais rever conceitos, muitos deles moralistas, sobre a nossa frágil e complexa existência: tão repleta de sonhos, mistérios e realidade.

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