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Publicado: Quarta-feira, 29 de março de 2006

Sobre mísseis e baldes

Da antiguidade grega aos tempos pós-modernos, a história da humanidade parece ser a história da razão. Uma simples análise torna essa imagem do mundo uma efêmera ilusão de óptica, como a visão de água no deserto por um sedento andarilho. No curso da caminhada humana, principalmente nestas últimas décadas, é um fato que se observa a acumulação ilimitada de conhecimentos. O homem - que se auto-intitulou animal racional - neste momento investiga a intimidade do mundo sub-atômico, cria teorias das mais abstratas para explicar o cerne da matéria e, simultaneamente, no outro extremo da prospecção, lança complexas sondas que singram o espaço sideral à procura de novas terras (a Lua já parece etapa um tanto enfadonha para seu espírito aventureiro). A medicina e a biologia também avançam com surpreendentes velocidades: dominam-se os mínimos detalhes do funcionamento da máquina humana, realizam-se intervenções cirúrgicas impensáveis há poucos anos e, logo mais, o homem de laboratório deverá ser realidade.
Paradoxalmente, o aumento das colheitas pelo impulso da tecnologia tem servido à poucas mesas. Milhões de pessoas passam fome e não completam os primeiros anos de vida. Apesar da quase cura do câncer, uma enorme massa morre infectada por simples bactérias, uma vez que falta resistência devido à alimentação deficiente. A sofisticada tecnologia do homem, já no limiar do século XXI, não está colocada a seu serviço. Enquanto um míssil leva seis minutos para ir da Europa à Rússia, a maioria das mulheres, diariamente, caminha horas para suprir de água suas famílias. Há algo de irracional em tudo isso.
De um certo modo, os avanços da ciência e da técnica têm servido tão somente à sofisticação dos brinquedos eletrônicos. Os brinquedos das crianças que nasceram privilegiadas em berços de madeira nobre e os brinquedos dos pseudo-adultos, homens-dirigentes, que insistem em prolongar a propria infância, ludicamente acionando os botões dos mísseis e de outras armas de matar. Deveríamos, então, trocar o título da história: história da razão por história do lúdico. O grande entretenimento humano: destruir-se e destruir o mundo.
Assim, o homem precisa chegar à maioridade de sua existência, antes que a brincadeira seja fatal!
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