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Publicado: Terça-feira, 1 de março de 2005

Sobre alto e baixo clero

Em artiguete publicado dia 21 de fevereiro na “Folha de São Paulo”, na página A-2, V.T.F. mostrou-se não só desinformado mas caluniador da Igreja no século da Renascença. Primeiro, ele escamoteia sobre o sentido de “baixo clero”. Depois, desmerece a pessoa do novo Presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti, em termos altamente injustos e desrespeitosos. Em seguida, o que é pior, calunia toda a Igreja católica, dos Papas aos sacerdotes do século XVI. As suas afirmações são descabidas revelando supina desinformação e vesgo anticlericalismo, não merecendo ser transcritas aqui.

Entendido em história da Igreja que lecionei e sobre que tenho dois livros integrandos em bibliotecas do Brasil e do exterior, estou tendo a impressão de que V.T.F. não leu nenhum livro sério sobre esse período da vida de nossa Igreja. Na história da civilização e do catolicismo a Renascença foi um tempo com alguns graves problemas internos, porém, sem deixar de ser um século de inegável grandeza.

Fatos sem dúvida negativos foram, de um lado, a conduta do Papa Alexandre VI (1492-1503) da escandalosa família Borgia, mais um político — autor do Tratado das Tordesilhas — que zeloso Pastor. As inegáveis estrepulias amorosas anteriores à sua eleição para o supremo pontificado, a dubiedade de sua conduta pessoal como Papa são uma página sombria, dolorosa exceção na longa história do Papado e da Igreja.Tão e mais negativa que os contra-testemunhos de Alexandre VI, foi a conduta simoníaca de numerosos sacerdotes e não poucos bispos, eleitos sob pressão de poderosos reis daquela turbulenta época. Essas e outras razões levaram o nada exemplar ex-agostiniano Martinho Lutero ao rompimento com Roma e à cisão da Igreja do Ocidente com a chamada Reforma Protestante.

O autor da grave e injusta diatribe contra a Igreja na Renascença, certamente ignora que o século XVI teve grandes Papas como Júlio II e Leão X, Paulo III, Sixto V e São Pio V. Talvez não saiba que são, também, do século XVI a construção da nova, imensa e harmoniosa Basílica e Praça de São Pedro, a esplêndida decoração da Capela Sixtina pelo gênio da pintura, escultura e arquitetura que foi Michelangelo Buonarotti, os clássicos belíssimos quadros de Rafael di Sanzio que adornam as imensa galerias do Palácio Apostólico do Vaticano. É difícil apontar na história das artes uma época de tanta grandeza. Os Papas foram os patrocinadores de tudo isso, além de notáveis Pastores do povo de Deus.

Muito mais importante foram, sem dúvida, a realização do Concílio Ecumênico de Trento que deu início à Contra-Reforma católica, reafirmando as principais verdades da fé e moral cristã professadas desde os tempos apostólicos instituindo, também, os Seminários para a melhor formação do clero. Emergem como grandes santos da Renascença, além do Papa São Pio V, São Carlos Borromeo, notável cardeal arcebispo de Milão, Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz, místicos e reformadores da Ordem do Carmo.

E como se não bastasse, o século XVI foi o século da grande epopéia missionária da Igreja, envolvida na evangelização do Novo Mundo, a América então descoberta, a distante Índia e o Japão pelo incansável jesuíta São Francisco Xavier. A formação dos vocacionados ao sacerdócio nos recém fundados Seminários, teve como efeito imediato a melhor formação espiritual e moral, humanística, filosófica e teológica do clero católico e, por conseqüência, dos que mais adiante seriam eleitos para o episcopado. Iniciou-se a partir do século XVI uma nova era na história da Igreja, repleta de páginas de luz que superam de longe algumas poucas páginas de sombra como o contra-testemunho de Alexandre VI, os desacertos da Inquisição, tribunal não apenas canônico mas civil, instituídos para a defesa da fé e da moral cristã, não raro instrumentalizados por reis daquele tempo.

A expressão “baixo clero” usada e abusada nestes dias pela imprensa leiga implica, subliminarmente, na existência de um “alto clero”. Na realidade o sentido originário e exato dessas expressões é a distinção entre os simples sacerdotes, os bispos e o Papa. Claro que estes normalmente tinham não apenas mais ampla jurisdição sobre o Povo de Deus, os fiéis mas, também, mais cultura e liderança. O sentido pejorativo dado a “baixo clero” é posterior, bem posterior, muito ao gosto dos anticlericais que vêm se multiplicando aqui e ali, em boa parte ignorantes da longa história do passado e da atual situação e rumos da Igreja católica.

Nada a ver com ignorância e concupiscência, negociatas e bênçãos, sentido espúrio e ofensivo que V.T.F., desrespeitosamente, dá à maioria dos deputados federais que acabam de eleger o novo Presidente da Câmara e, subliminarmente, a tantos dedicados sacerdotes empenhados na evangelização, catequese e promoção das comunidades a eles confiadas. Na altura dos meus 28 anos de episcopado posso dizer, tranqüilamente, que pelo menos 95% dos nossos 18 mil padres ou presbíteros vive a própria vocação, totalmente dedicados à proclamação dos valores humanos e evangélicos, na construção de uma Igreja e Brasil melhores.Muitos são cultos, até mais que alguns bispos. São servidores dos seus irmãos vivendo uma pobreza digna e uma castidade heróica. Continuam imolando as suas vidas na profética proclamação da Palavra de Deus, oportuna e inoportunamente como recomenda o Apóstolo Paulo em sua carta a Timóteo, dedicados às ovelhas do rebanho a eles confiado. É bom que o saiba V.T.F. ter abusado do espaço que a “Folha de São Paulo” lhe abriu para, gratuita e inoportunamente, agredir não só o novo Presidente do maior dos Poderes Legislativos do País, quanto aos sacerdotes e a toda a comunidade católica. Gostaria de saber quais livros sobre a Renascença já teria lido em sua vida. Caso se dê ao trabalho, aliás recomendável e ncessário de ler a monumental história da Igreja católica, em especial o volume IV dedicado à “Igreja do Renascimento e da Reforma”, do renomado escritor Daniel Rops, acadêmico da França, certamente se envergonharia do que escreveu, sentindo-se no dever de reparar o mal feito a tantos leitores desavisados, com o aplauso dos anticlericais gratuitos que sobram entre nós na grande mídia, nas cátedras universitárias e um pouco por toda parte.

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