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Publicado: Terça-feira, 28 de março de 2006

Saudade

Preliminarmente, a saudade está ligada essencialmente à memória. Pelo processo da memória é possível “viajar” no pretérito, fazer reflexões e discernir sobre tudo o que ocorreu em nossas vidas. Eu diria que temos as lembranças do passado aqui no presente. Nas nossas mentes elaboramos um processo de conhecimento e retiramos o que for salutar e aplicamos com uma experiência mais aprimorada, para no futuro tomarmos decisões corretas, assim não permaneceremos nos erros que porventura praticamos. Em cada ação do presente podemos evocar as lembranças do passado e aplicá-las no presente. As lembranças de outrora somadas com as experiências atuais tornar-nos-ão capazes de caminhar pelas estradas da vida com muito mais segurança. As experiências in concreto ficam marcadas nas nossas almas. Permanece um quadro nos nossos subconscientes. Aristóteles consubstancia ente entendimento existencial: “ Quem recorda deduz que já escutou ou percebeu aquilo de que se lembra; isso é uma espécie de busca. ” (Aristóteles, De Mem., 453 a 11). Disse ainda que a memória é o “ventre da alma” (Conf., X, 14). Saudade tem a ver com a nossa vivência real e transcendental. As questões existenciais de nossas vidas estão relacionadas com nossas lembranças, portanto “ As coisas podem ser vivenciadas não só na percepção, mas também na recordação e nas representações afins à recordação...à essência dessas vivências pertence a importante modificação que, do modo de atualidade, transporta a consciência para o modo de inatualidade, e vice-versa. Num caso, a vivência é consciência explícita de seu objeto; em outro, é consciência implícita, apenas seu potencial ” [Husserl, (18591938), Ideen, I, §35]. Sentir saudade é recordar das coisas; sentir saudade é revivenciar. É viver novamente. E para dar forma a essa argumentação, talvez deveríamos analisar as seguintes palavras: “ A memória não consiste na regressão do presente para o passado, mas, ao contrário, no progresso do passado ao presente. É no passado que nós nos situamos de chofre. Partimos de um estado virtual, que pouco a pouco, através de uma série de planos de consciência diferentes, vamos conduzindo até o termo em que ele se materializa em apercepção atual, ou seja, até o ponto em que se transforma em estado presente e agente, enfim, até o plano extremo de nossa consciência sobre o qual se desenha nosso corpo. A recordação pura consiste nesse estado virtual ” (Bergson, Matière et mémoire,7ª ed., p. 245). Então, por saudade podemos compreender que é “ Sentimento mais ou menos melancólico de incompletude, ligado pela memória a situações de privação da presença de alguém ou de algo, de afastamento de um lugar ou de uma coisa, ou à ausência de certas experiências e determinados prazeres já vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejável. ” (Dicionário Houaiss). Escolho Roberto Carlos para falar de saudade, pois ele retrata exatamente os nossos sentimentos. Um romantismo sem igual. Um poeta do amor e de sentimentos nobres. Quando temos saudade de alguém e não podemos mais ter a companhia do ente querido, a melancolia invade nossa alma, pois “ De saudade eu chorei e a te pensei que ia morrer. Juro que eu não sabia. Que viver sem ti. Eu não poderia .” (RC - E por isto estou aqui). As experiências de nossas vidas são revividas pela nossa memória. A saudade faz as lágrimas rolarem dos olhos e do coração sofrido, ademais, “ Eu me lembro com saudade. O tempo que passou. O tempo passa tão depressa. Mas em mim deixou. Jovens tardes de domingo. Tantas alegrias. Velhos tempos. Belos dias .” (RC — Jovens tardes de domingo). Quando sentimos saudade de quem se ama e, certamente é possível a busca de um amor nada mais resta a fazer: “ Meu bem qualquer instante que eu fico sem te ver. Aumenta a saudade de você. Então eu corro demais, sofro demais. Corro demais só pra te ver, meu bem. ” (RC — Por isso corro demais). O sofrimento é atroz e igual a uma flecha de fogo que transpassa os nossos corações, resultado da perda de quem ama, que se vai e não volta jamais: “ Ana eu me lembro com saudade. Do nosso tempo, nosso amor, nossa alegria. Agora eu só te vejo nos meus sonhos. E quando acordo minha vida é tão vazia...Que saudade de você ” (RC — Ana). A saudade faz reviver momentos de alegrias e de amor, mas também nos faz lembrar do lugar em que vivemos nossa infância: “Meu pequeno cachoeiro. Vivo só pensando em ti. Ai que saudade dessas terras. Entre as serras. Doce terra onde eu nasci”. (RC — Meu pequeno Cachoeiro). A bíblia reconhece o sentimento saudade, pois Paulo não sabia exatamente o que ocorreria com ele: poderia ser morto ou ser solto. Na esperança de poder ainda ver o povo filipense (de Filipos), escreveu demonstrando grande saudade: “ Deus me é testemunho das saudades que tenho de todos vós, na terna misericórdia de Cristo Jesus ”. (Fp. 1:8). Se tivermos o discernimento sobre a saudade, as nossas ações, palavras e pensamentos devem ser medidas, pois estas manifestações serão registradas no livro da vida, ou seja na nossa alma. Carregaremos essas impressões por toda a eternidade. Porquanto, devemos agir com princípios humanísticos, solidariedade e confraternização. Se registrarmos coisas boas, as nossas lembranças serão suaves e gostosas. O sentimento saudade será com pingos d’amor!
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