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Publicado: Domingo, 14 de outubro de 2007

Sarau do Boca-Suja

Crédito: Google Imagens Sarau do Boca-Suja
Boca-Suja é o primeiro da direita para a esquerda

Há quem odeie o domingo por ser o prenúncio da segunda-feira ou por considerá-lo um dia morto, dedicado ao fastio que acomete o populacho pela ingestão desmedida de talharini e bracholas no decorrer do período.

Se não falta quem reserve estas preciosas 24 horas à rebordosa gástrica, outros optam por gastá-lo empanturrando o cérebro. A esta segunda categoria pertence o imenso público que lotou as dependências do Parque Municipal de Exposições, para mais um glorioso Sarau.

A maratona artística teve início com uma saudação de boas-vindas aos presentes, pela surda-muda Helena Somoza. Concluída a preleção, abriram-se as cortinas para o Prof. Joãozinho, que nos brindou com uma apresentação de sapateado sobre o Concerto para Lata de óleo Mazola e Orquestra, de Dimitri Rothje. Notando a calorosa reação da platéia, o catedrático empolgou-se, pigarreou por quatro minutos seguidos e emendou logo um tratado, inédito desde a década de 40, que versava sobre os índices de leitura da notas de rodapé nas teses acadêmicas. Nada mais leve e digestivo, se compararmos com o nauseante torpor causado pelo seu colega literato, o intragável Stephan Becas, que no ano anterior leu de uma enfiada as 48 primeiras páginas de “Os Sertões”, traduzidas para o coreano, sem uma única pausa para água mineral.

Após um breve intervalo, onde foram servidos alguns poucos croquetes em temperatura ambiente, alunos da terceira série do Ensino Médio improvisaram um jogralzinho da tabuada do 2, recitada sem titubeios pela turma de sabichões. Em delírio coletivo, a audiência explodia em vivas e exigia bis. Não tendo ensaiado mais nada para a ocasião, o grupo repetiu os mesmos números anteriormente apresentados: dois vezes um é igual a dois, dois vezes dois é igual a quatro, e assim por diante, até o final apoteótico que todos conhecem.

O domingo prosseguiu com a subida ao palco do mezzo-barítono Pompeu D’Alencastro, para um “Ciranda, Cirandinha” com acompanhamento de seu sobrinho em quarto grau, natural do distrito de Dadeiras, o tubista Dezo Malaquias. Obra de fôlego, repleta de ciladas harmônicas e melódicas à espreita do intérprete incauto, o “Ciranda, Cirandinha” da dupla causou estupendo furor. Sentada na terceira fila, Dona Leonilda Viegas comentava, à boca pequena (mas não suficientemente pequena aos ouvidos atentos deste repórter), que a versão ora apresentada em nada ficava devendo às de Bidu Sayão e de Leny Eversong, até então tidas como definitivas pela crítica especializada.

Lá pelo final da tarde, o ponto culminante: a análise grafológica, exposta em powerpoint, de uma carta de autoria do saudoso palhaço Boca-Suja, que marcou época na região de Nova Panhoca com seu cirquinho mambembe. Relatos dão conta de que foi sob os furos de suas tendas que se deu o debut artístico de Roni Fon, imitador do quase homônimo ídolo da jovem guarda, e de Ted Boy Marino, antes do mesmo despontar para o estrelato com o telecatch “Os Reis do Ringue”. A citada carta foi atestada como autêntica por peritos da Unicamp e estará disponível para consulta dos munícipes até o próximo dia 26, no salão nobre do Convento dos Franciscanos Descalços.

Encerrando as tertúlias do dia, um anônimo pediu a palavra e procedeu à leitura deste texto, assinado por um tal Marcelo Sguassábia, sujeito de quem ninguém ali tinha ouvido falar e nem pode imaginar agora o paradeiro.

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