Publicado: Quarta-feira, 4 de abril de 2007
São Francisco e o Rouxinol
Um rouxinol cantava. Alegremente,
Quis São Francisco, no frutal sombrio,
Acompanhar o pássaro contente,
E começa a cantar, ao desafio.
E cantavam os dois, junto à corrente
Do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas São Francisco, exausto, finalmente,
Parou, tendo cantado horas a fio.
E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
Redobrando as constantes cantilenas,
Os trilados festivos redobrando.
E o santo assim reflete, satisfeito,
Que feito foi para escutar, apenas,
E o rouxinol para cantar foi feito.
(Do livro Dei Fioretti di Sancto Franciescho
Versão Martins Fontes)
Estes versos chegaram-me pelas mãos da querida amiga de prosas e cafés que compartilha comigo sonhos, reflexões e memórias ainda tão presentes em sua lembrança.
Proseamos sobre tudo: literatura, música, causos da cidade, ela me ensinando, sem perceber, os meandros dessa jornada às escuras na qual me atrevi a enveredar. Escuto e aprendo, formulo idéias e busco absorver um pouquinho da sua imensa habilidade com as palavras.
Uma convivência da qual saio enriquecida, com suas lições de gramática e da arte de viver.
Ela me sugeriu que comentasse esses versos que a emocionaram, o que não seria nem preciso, pois enquanto ela estava a ler o poema, acariciando cada palavra, criando suspense nas pausas, eu já pensava que aquele era um momento especial, um pequeno rasgo de felicidade na tarde escaldante.
A felicidade desse presente que lhe foi enviado por estimado amigo e compartilhada com genuína alegria com as amigas ao redor da mesa, me fez pensar na reflexão do Santinho, que cada um tem seu lugar nesse mundo de meu Deus.
Bobagem querer ser um rouxinol se nascemos outra coisa. Enquanto tentamos imitar o seu cantar, esquecemos que nosso destino espera a chance de realizar-se, fechamos os olhos para coisas que justificam estar vivo. Como compartilhar um poema com amigos, aliás, como ter amigos.
A odisséia humana se ampara nesse sentimento tão delicado, encontra a cumplicidade e a solidariedade que tornam menos solitária a travessia, menos doídas as perdas e muito, mas muito mais apetitosas as vitórias.
Amigos tecem juntos um tênue bordado que vai se fortalecendo com o tempo, criando desenhos simples ou mais intrincados, conforme a convivência vai produzindo a memória compartilhada.
Só isso já bastaria para justificar a teimosa esperança que nos faz acordar a cada dia para continuar a jornada.
Esse breve momento em que a amiga dividiu conosco o poema impresso na velha máquina de escrever do sábio professor, iguala-se ao canto do rouxinol, dádiva para ser apreciada e lembrar que cada um, a sua maneira, é especial e único. Como são os amigos.
Tolice desperdiçar-se desejando ter canto do rouxinol ou as vestes dos lírios dos campos, não é para isso que fomos feitos.
Somos feitos para admirar os rouxinóis, os lírios alvos e os amigos que a providência nos oferece de presente.
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