Saca?
Tenho ficado impressionado com a quantidade de mulheres sozinhas que me procuram, no consultório. Na categoria “mulheres sozinhas”, incluo também aquelas que estão em relacionamentos nos quais o parceiro está, mas não está, saca? Não? Eu também não, mas, acredite se quiser, esta é a categoria mais densamente povoada do meu gráfico relativo à população feminina da nossa espécie, no momento. Pelo menos, as que me procuram...
Como é um relacionamento no qual o parceiro está, mas não está? Ah, ele está, mas não tem compromisso nenhum de estar lá amanhã ou depois. Ele está “ficando” com ela (e com a torcida do Flamengo ao mesmo tempo) enquanto a “parada rolar”, saca?
Algumas clientes me contam o mesmo roteiro: ela estava namorando um rapaz. Daí eles se separaram. Depois da separação, “ficaram” durante algum tempo e ele arrumou outra. E agora, como estão? Eu pergunto... Ah, agora a gente tá só de “rolo”, saca?...
Vejam, em um pequeno parágrafo, temos três categorias diferentes de relacionamentos: namoro, ficar e rolo. Não sei se sei claramente o que vem ser cada uma e a diferença entre elas, mas me parece que o que as caracteriza, são os teores de comprometimento com a relação, encontrados: o baixo, o baixíssimo e o quase inexistente, que seria uma espécie de “Coca-Diet” dos relacionamentos.
Traduzindo: Ela tinha um namorado. Eles tinham um relacionamento. Havia momentos, conflitos, negociações, resoluções de conflitos, sexo, que às vezes era bom, às vezes era ruim, e às vezes não rolava. Gozo, lágrimas, cobranças, baixarias, momentos sublimes... Eles saíam juntos para ir jantar, ir ao cinema, ir visitar os pais dela, os dele, a tia chata que está no hospital... Ele tinha que comprar um presente para ela no dia do aniversário dela, ela no dele... Dia dos namorados... Levar o cachorro para dar uma volta, dar uma dura no irmão menor dela, que não respeita ninguém... Um auxiliava o outro a estudar para o concurso, a prova da carteira de motorista... Ela lia o evangelho pra ele, que era ateu... Enfim, algo cheio de altos e baixos, momentos bons e ruins, alegres e tristes, que eles iam vivendo juntos, compartilhando... Tipo “Eduardo e Mônica”... Saca? Estavam até pensando em noivar... Em 2012 (se o mundo não acabar...)
Então ele começou a achar ruim essa história, por que tudo isso estava “limitando a liberdade” dele, e ele é muito jovem e precisa “viver a vida”, saca?... Uai tchê, mas aquilo tudo lá que eles estavam vivendo juntos não é a vida? É o que então? O que é a vida, então?
Mas ele achou (e os pais dele concordaram) que ele é “muito jovem para se comprometer”, e que precisa “aproveitar mais a vida”... Afinal, ele só tem trinta e cinco anos... Eles romperam o namoro...
Se você acha que cada um seguiu o seu rumo na vida, lambendo as feridas e cicatrizando o que ficou aberto, para se permitir uma nova relação com outra pessoa, você está completamente enganado. Eles agora inauguraram uma nova modalidade: o ficar. Eles “ficam”, de vez em quando.
Qual é a diferença? Bem, de toda aquela lista de coisas que eles faziam juntos, lá em cima, sobrou apenas o sexo, e sair, vez por outra para um jantar ou um cinema (cada um paga o seu, que fique bem claro). Ou seja, tira-se fora o ônus da relação, e fica-se apenas com o bônus. Filé sem osso, peixe sem espinhas, aquelas saladas que já se compram prontinhas para ir á mesa, não precisa nem lavar... Empacotadinho, você nem suja as mãos... Genial, não?
E o que aconteceu nos capítulos seguintes? Bem, ele arrumou outra namorada. Mas... Ele não era jovem demais para perder a sua “liberdade”? Sim, mas essa é gatíssima, e tem uns dez anos a menos, e... é malhadíssima, e... coisa de alma, espiritual, saca? Coisa de outra vida... E a cliente? Eles se separam de vez? Você poderia perguntar. Acabou o “ficar”?
Sim e não... Mais ou menos... Eles agora não estão mais ficando, eles estão de “rolo”. Saca?
Agora, de toda aquela lista, só sobrou o sexo. E é sempre bom, porque ela agora é a “outra”, e sexo com a outra sempre é mais gostoso, saca?
Este sim é o supra-sumo da “relação free”, “Amor” livre mesmo, a grande evolução da nossa espécie, o fast-food dos relacionamentos, só prazer, puro prazer... A Coca-Zero: o fast-foda. Nenhum compromisso meeeesmoooo! Nenhum sofrimento, nenhuma preocupação, nenhuma chateação. Até uma garota de programa, que recebe dinheiro explicitamente pelos seus serviços, recebe mais consideração...
Sim, podemos freudianamente enumerar uma lista de motivos para ela topar um “negócio da china” destes, e eu faria isto sem nenhuma objeção. Mas quando algo vira uma epidemia mundial, penso que temos que ir por outro caminho...
Já dizia Carl Jung em meados do século passado (JUNG, C.G.; Sobre o Amor - Seleção e edição de Marianne Schiess; Editora Idéias & Letras, Aparecida, SP, 2005; pg.23):
"Assim como nenhuma planta cresce contra a morte, não existem meios simples de se facilitar uma coisa difícil, como no caso da vida. Podemos somente eliminar a dificuldade por meio de um correspondente emprego de energia. As soluções libertadoras só existem quando o esforço é integral. Todo o resto é coisa mal feita e inútil. Só se poderia pensar em amor livre se todas as pessoas realizassem elevados feitos morais. Mas a idéia do amor livre não foi inventada com esse objetivo e sim para deixar algo difícil parecer fácil. Ao amor pertencem a profundidade e a fidelidade do sentimento, sem os quais o amor não é amor, mas somente humor. O amor verdadeiro sempre visa ligações duradouras, responsáveis. Ele só precisa da liberdade para escolha, não para sua implementação.Todo amor verdadeiro, profundo é um sacrifício. Sacrificamos nossas possibilidades, ou melhor, a ilusão de nossas possibilidades. Quando não há esse sacrifício, nossas ilusões impedirão o surgimento do sentimento profundo e responsável, mas com isso também somos privados da experiência do amor verdadeiro. O amor tem mais do que uma coisa em comum com a convicção religiosa: ele exige um posicionamento incondicional, ele espera uma doação completa. E como apenas aquele que crê, aquele que se doa por completo a seu Deus, partilha da manifestação da graça de Deus, assim também o amor só revela seus maiores segredos e milagres àquele capaz de uma doação incondicional e de fidelidade de sentimentos. Como esse esforço é m