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Publicado: Sábado, 11 de maio de 2013

Que deselegante

Crédito: wikimedia commons Que deselegante

- Óia, exprica direito essa história aí pra mim.

- O senhor tem que transmitir um certo verniz cultural, compreende? E no caso é só um verniz mesmo, porque a madeira... é de caixote de verdura...

- O quê?

- Nada não, pensei alto. Sorry.

 - Ah...

 - Vejamos, vamos começar com a literatura. Aqui nesta parede da sala podemos providenciar uma estante bem grande. Na prateleira mais visível precisamos de pelo menos uns 80cm de lombadas de Guimarães Rosa, mais um outro tanto de Machado e uns 50cm no mínimo divididos entre Drummond e Pessoa.

 - Mai que diacho de pessoa é essa aí que a senhora falou?

 - Para os russos, seria de bom tom reservar uns dois metros ou mais de Dostoievsky, Tolstói e Tchekov. Todos com lombada bem vistosa, clássica, se possível livros bastante manuseados - pra dar um ar de intimidade do proprietário com as obras-primas. Conheço um sebo que vende esse tipo de livro para decoração e cenário de novela.

- Cerrrrrrrto.

- Fique tranquilo, pois os meus serviços abrangem a busca de conteúdo atualizado, para que o senhor fique inteirado de tudo o que acontece no circuito cultural - literatura, música, artes plásticas e assim por diante. Eu vou encaminhando as novidades em pequenos tópicos, para que o senhor as assimile e tenha suficiente repertório para não passar vergonha nas rodas de intelectuais. Trouxe um aqui um exemplo, veja só: "Vocês não acham que o último CD da pianista Maria João Pires obscurece os dois anteriores?"

- Ah, esses aí eu cunheço!! João e Maria, aqueles doi menino da casa de doce...

- Bem, continuando as orientações. O senhor tem que falar as frases que enviarei e desaparecer rapidinho, porque se alguém resolve lhe fazer uma pergunta as consequências podem ser desastrosas. O procedimento seria mais ou menos assim: o senhor lança uma determinada questão de natureza filosófica ou artística e o pessoal da roda, além de se admirar com sua cultura, vai querer deitar erudição para não ficar por baixo. E aí, enquanto eles se engalfinham, um querendo falar mais que o outro, o senhor dá uma desculpa e se retira discretamente. Entendeu?

- Entendeu.

- Agora, tenha a bondade de prestar atenção aqui, na tela do meu notebook.

- Ô, mai o rapai que fez essa escurtura aí foi se inspirá no hospitar. Ó só, essa muié aí tá com os braço amputado e a outra muié do quadro tá com o pé que parece uma jaca. Vai vê que que é ácido úrico, só pode sê, pra ficar com os pé desse tamanho...

- Oh, my God.

- Cumé?

- Meu senhor, a escultura é a célebre Vênus de Milo e o quadro é o Abaporu, obra máxima da Tarsila do Amaral.

- Uia, é memo? E tem quem compra esses estropiado aí? Ou então vai vê que na escurtura da muié fartô pedra, por isso a coitada ficô sem os braço. O escurtô carculô mar.

- Vamos fazer do senhor um apreciador de óperas, um entusiasta da cena lírica. Ou, pelo menos, fingir que é. Ser amante de ópera é omust, meu caro. Ouça um trecho de “La Bohème”, para ir se familiarizando.

- Eita berreiro disgramado! Parece leitoa no abate essa dona aí. Esganiça forrrrrrrte.

- Mas que deselegante. Please, contenha-se.

- Priss?? Eita...


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