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Publicado: Quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Quaresma: tempo de conversão

Quaresma: tempo de conversão
Todos precisamos de conversão diária
“Isto diz o Senhor: voltai a mim de todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos de luto. Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes” (Jl 2,12-13).
Com estas palavras do profeta Joel, os cristãos percorrem, compenetrados, os quarenta dias que precedem a Páscoa. Este itinerário de fé propõe uma atitude de sincera conversão, abandonando situações de pecado e iniciando corajosamente novo caminho, sem se deixar enganar pelo mal, nem fraquejar nos momentos de provocação demoníaca. O conceito grego de metanóia está presente ao período quaresmal de forma tão intensa quanto na austera cerimônia da quarta-feira inicial.
Ao receber um pouco de cinzas sobre a cabeça, o fiel ouve do ministro a primeira palavra que Deus pronunciou após constatar o pecado de Adão e Eva: “Tu és pó e em pó te hás de tornar” (Gn 3,19). A palavra pode ser substituída pelo convite de Jesus: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
 
Todos precisamos de conversão diária, mesmo os que fossem considerados os mais virtuosos, pois o que é o homem diante da santidade de seu Criador? Converter-se diariamente é condição indispensável para que o sangue de Cristo derramado pela salvação do homem e da mulher não tenha sido vertido em vão. As cinzas são sinais da morte a que o pecado conduz, mas o sangue de Cristo é vida que recobra a eternidade feliz para o que se converte e se deixa iluminar pelo resplendor do Ressuscitado.
 
A Quaresma, seus jejuns, orações e esmolas não têm finalidade em si mesmos, mas vertem-se para a ressurreição de Cristo, princípio de nossa própria ressurreição. Padre Vieira, num maravilhoso trocadilho, pregando sobre o tema, volta-se para as sepulturas e diz: “Lembra-te, pó, que tu és homem e em homem te hás de tornar”.
 
Todo pecado deve ser destruído, todo mal deve ser vencido. Já o foram pela morte de Cristo, mas se não houver verdadeira contrição, se o pecador não transformar sua própria vida, se perderá, pois sem a adesão da vontade e aceitação do coração a Cristo, o homem se perde e se condena, como foi profetizado pelo velho Simeão no Templo: “Eis que este Menino será a salvação para muitos e a condenação para tantos” (Lc 2,24).
 
O conceito de pecado, porém não pode se restringir à única e exclusiva desobediência individual dos mandamentos do Senhor, mas certamente se aplica também ao resultado coletivo destas faltas que se evidenciam em situações sociais de verdadeira agressão ao plano de Deus. Neste aspecto, as profecias de Isaias levar-nos-ão à reflexão: “De que serve jejuar, se com isso não importais? E mortificar-vos, se nisto não prestais atenção?” (Is 58,3). E ainda: “passais vosso jejum em disputas e em altercações, ferindo com o punho o pobre... Porventura é este o jejum que me agrada?”
 
Para sanar estes males, também há de haver uma conversão dos costumes e das
práticas que gerenciam a vida dos humanos. Neste sentido é que a Campanha da Fraternidade propõe a cada ano um tema que aponta para algum problema social clamando por conversão.
 
No corrente ano, a Campanha da Fraternidade chama à atenção para a Amazônia, com o propósito de despertar nos corações brasileiros a sensibilidade indispensável diante dos seríssimos problemas humanos ali concentrados, a partir do desrespeito escandaloso para com a natureza tão exuberante e tão bela. Clamam aos céus a situação de verdadeira escravidão a que muitas pessoas ali são submetidas, por causa da sanha dos lucros fáceis com o extrativismo desordenado, o clima de total menosprezo ao valor da vida humana que são simplesmente eliminadas por matadores profissionais, a existência de madeireiras que sem escrúpulos comercializam árvores centenárias sem critérios e sem nenhuma preocupação com o resultado destes descalabros para a raça humana.
 
A Amazônia esconde uma série de grupos humanos indígenas, alguns ainda sem nenhum contato com o homem branco, porém todos em situação de real ameaça pela forma avassaladora da diabólica cultura do lucro de muitos que ali buscam somente riquezas materiais.
 
A Quaresma propõe a conversão dos corações, para que nos indivíduos, na coletividade e nas estruturas haja verdadeira transformação e seja reconstruído o reino de Deus celebrado na vitória de Cristo sobre as forças do pecado e da morte.
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