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Publicado: Domingo, 14 de fevereiro de 2016

Quando alguém está em análise?

Quando alguém está em análise?

De que se trata, quando se pode dizer que alguém está em análise? De que se trata, para um psicanalista, estar diante de alguém que lhe faz o pedido de ser um paciente?

Nos dias atuais, especialmente no Brasil, a psicanálise aparece como nome de um referencial para o tratamento do psiquismo. Podemos localizá-lo nos veículos midiáticos, na forma de artigos, redigidos por profissionais da saúde e em entrevistas, associado à temáticas que vão do alcoolismo e drogadependência, aos transtornos estabelecidos no Código Internacional de Doenças e no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais. Tal associação, entretanto, mais concernente à uma tradição universitária, desconsidera a especificidade de sua ética, confundindo-a com a maneira como as ciências médicas e as psicologias interpretam e respondem ao sintoma e aos sinais de doença, tratados como transtornos mentais e de comportamento.

Esta confusão não é sem consequências, mas, trata-se também daquilo que está na própria questão da direção de um tratamento analítico. Em 1958, o psicanalista francês Jacques Lacan escreveu A direção do tratamento e os princípios de seu poder. Neste trabalho, Lacan, ao perguntar-se "quem analisa hoje?" - denuncia que a "reeducação emocional do paciente", já naqueles tempos, apresentava-se sob o nome de psicanálise. Em seguida, trata a questão, dando relevo à sua condução, onde o que estaria em jogo pode, de saída, consistir e situar sua ética em dois pontos: 1. É o psicanalista quem dirige o tratamento. 2. O psicanalista não dirige a pessoa.

Estes dois pontos levam à redefinição do lugar que o termo "paciente" pode encontrar em uma experiência analítica. Quando, em primeiro momento, alguém procura um psicanalista, sua primeira demanda é um pedido para ser aceito como paciente. Mas, a porta de entrada da análise não é a mesma porta do consultório. À esta altura, cabe a pergunta: Quando alguém está em análise?

Para responder à esta pergunta, tomemos a perspectiva das duas diferentes portas de entrada, na qual, a porta do consultório pode ser caracterizada pelo diálogo direto entre paciente e aquele que o recebe e, para aquilo que Freud chamou de convite à "outra cena", para a caracterização da porta de entrada da análise. Ao entrar pela porta do consultório, aquele que faz um pedido para ser aceito como paciente pode encontrar um contrato convencional, onde direitos e deveres são postos de forma didática e o número de sessões, seu tempo e pagamento, de maneira burocrática, encontrando, portanto, certa previsão do que irá lhe ocorrer durante o tratamento. Este tipo de contrato firma-se mais ao modo das ciências médicas, das psicologias e da tradição universitária, implicando a ética na condução da pessoa. O médico prescreve a medicação, dando-lhe orientações de como proceder, as avaliações psicológicas também isentam sua subjetividade, pois, ao serem interpretadas pelo terapêuta, tratam a doença, orientando o paciente em determinada direção, diante de uma expressão de inadequação.

Na porta de entrada da análise, encontra-se um outro contrato, em que a principal cláusula implica em considerar se um sintoma é analisável. Em outras palavras, para que este contrato seja firmado, a demanda inicial de pedir para ser um paciente e tratar o sintoma, para dele se desvencilhar, não é aceita em seu estado bruto pelo psicanalista, mas, questionada, em um momento de encontros prévios, chamado por Lacan de "entrevistas preliminares", encontrando equivalência no que Freud chamou de "ensaio preliminar", para visar uma mudança estrutural na queixa. Em tese geral, passo a não mais me encontrar com o analista, tanto para me queixar daquilo que me aflige, mas, para questionar seu significado. A este contrato, Lacan deu o nome de "retificação subjetiva", utilizando-o para designar a introdução do desejo na experiência analítica. Além da função transferencial e diagnóstica das entrevistas, a passagem ao divã ocorre, portanto, quando a questão do desejo é introduzida na dimensão do sintoma – isto que lhe digo, de que me queixo e expresso em minhas sessões, o que quer dizer? Embora este tempo preliminar faça distinção entre estar ou não em análise, a regra fundamental da psicanálise – a associação livre, está posta desde o início, importando ressaltar que o fato de alguém não estar em análise não significa não estar em tratamento.

Disso se conclui que para iniciar efetivamente um trabalho analítico, é preciso estar em jogo o “ato analítico”, na direção do tratamento, por parte do analista e a subjetividade da pessoa, na forma de uma pergunta, endereçada ao analista, para que este conclua e decida aceitar um analisando e iniciar um trabalho analítico. É o inconsciente a se abrir em "outra cena", expressão de Freud para nomear seu lugar psíquico, destacando as particularidades da vida onírica, registro em que a resposta pessoal de um analista é menos crucial que as questões que se colocam, então, para o sujeito sobre sua existência, sexo, história e finitude.

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