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Publicado: Segunda-feira, 17 de abril de 2006

Qualidade de vida?

Quando virei a esquina, lá estava ela. Fixada em armações de madeira — modelo outdoor - erguia-se no meio do terreno baldio para quem quisesse vê-la. Em verde e branco, a placa aludia à vegetação, qualidade de vida e ás facilidades de aquisição da casa própria, sem entrada e com pagamentos a perder de vista. Três dormitórios em condomínio fechado! Impossível resistir.

No pequeno condomínio de algumas dezenas de casas, os três quartos somados dariam, no máximo, dois. A sala...bem, doando alguns móveis e substituindo outros por prateleiras, até que ficaria boa.

Na área comum, nada havia de comunitário que não a única rua em formato de ferradura. Nem salão de festas, churrasqueira ou piscina. O verde foi encontrado na pintura padronizada de algumas moradias e numa ínfima porção de mata nativa, escondida atrás de muros. Mas tem segurança, pensei. Câmeras, porteiro, interfone e portões automáticos. Meu sonho estava salvo.

As facilidades de aquisição foram consumidas numa maratona de três longos meses para a obtenção do financiamento. Agüentei firme. Cada dia a mais significava que o grande dia se aproximava. Veio o caminhão da mudança e eu, feliz atrás dele. Entrei. O caminhão ficou. De acordo com a Convenção, caminhões não podiam entrar, pois comprometeriam o piso. Piano, fogão, geladeira, sofá, colchão e uma procissão de caixas desfilaram pela rua de mão única, nas costas dos “homens da mudança”. Chovia e eu nem imaginava que os infortúnios mal haviam começado.

A ausência de área social levou dezenas de crianças a correrem, gritarem e jogarem bola em baixo das janelas. No primeiro mês, os portões automáticos quebraram cinco vezes. O maravilhoso interfone era do tipo externo, ou seja: qualquer pessoa que chegasse, falava diretamente com o morador, a qualquer hora do dia ou da noite. Além do mais, também quebrou rapidamente. A entrada de gás, remédios ou qualquer serviço emergencial, não passa da portaria. “A Convenção não permite que...”.

A aridez provocada pela monotonia das cores das fachadas, três, ao todo, e a falta de vegetação me deram uma grande idéia.Coloquei duas floreiras sob as janelas em branco e azul. Uma exuberância de cores jorrou dos gerânios mesclados: branco/rosa, pink/rosa, brancos e vermelhos, além do verde das folhas. Veio a advertência: “A convenção não permite que...”. Veio a multa. As floreiras recusam-se a deixar seus postos. Ao virar a curva da “ferradura”, gerânios despudorados projetam-se para fora, enchendo os olhos de quem passa.

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