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Publicado: Terça-feira, 19 de abril de 2005

Profetismo e gestos proféticos

A melhor resposta aos detratores do Papa João Paulo II ligados à Teologia da Libertação de corte marxista, revolucionário e anti-evangélico, na Europa, nas Américas e no Brasil, está na comoção universal que acaba de cercar a sua dolorosa agonia, sepultamento e partida para Deus. Todos estão conscientes de que 5% dos que ainda se proclamam católicos, não mais, entre eles poucos dos 4.600 bispos, alguns milhares entre os mais de 400 sacerdotes, clérigos e leigos ligados a essa corrente liberacionista e socializante e os anticlericais de sempre, desde a Igreja nascente, vieram desmerecendo o longo e fecundo pontificado de Karol Wojtyla.

Até que era de se esperar que na sentida morte do Papa que exerceu por mais de 26 anos do supremo pastoreio da Igreja católica, viessem a público contradizendo os aplausos gerais dos verdadeiros filhos e filhas da Igreja. Estou imaginando com que cara ficam, sabendo que os despojos do 264o Sucessor do Apóstolo Pedro atraiu a si, somente em uma semana, dois milhões de peregrinos, sobretudo jovens, uma incontável multidão em vigília durante os dias de sua agonia. E, pior para os que nunca negaram seu “complexo anti-romano” (como Von Hurs Baltazar, renomado teólogo suíço), a presença dos maiores líderes mundiais, de Luiz Inácio Lula da Silva, nosso Presidente, passando por George W. Bush, Tony Blair e numerosos outros Chefes de Estado, Reis, Primeiros-Ministros e muita gente do povo. Quem sabe se a partir da eleição do sucessor de João Paulo II, seja ele quem for, os despeitados de sempre cairão em si.

Sim, há tudo para agradecer de joelhos o presente que Deus e a Polônia ofereceram à nossa Igreja e ao Mundo. Na realidade Karol Wojtyla “veio das margens do Lago de Genesaré” (Jean Guitton), como Pedro que ouviu de Cristo o “Se me amas, apascenta as minhas ovelhas... Indo pelo mundo preguem o Evangelho, ensinando tudo que Eu vos mandei. Estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos” (Mt 28, 19-20). A barca de Pedro segue em frente em meio aos poucos tempos de bonança que teve às tempestades de sempre. “Perita em humanidade e em crises” (Paulo VI), com os previsíveis erros disciplinares e pastorais de uma instituição que tem dois mil anos e é integrada por homens e mulheres, não por anjos, a Igreja está aí feita ela mesma “espetáculo para os homens e os anjos” (Paulo Apóstolo). Algumas páginas de sombras e muitas páginas de luz para os que realmente conhecem a história da Igreja católica, situando no devido tempo, sem justificar, alguns excessos da Inquisição, algumas décadas de contra-testemunho e dias tenebrosos de perseguição de Hitler, Stalin, do “capitalismo selvagem” e do comunismo que são coisas do passado. João Paulo II soube pedir perdão para os erros dos filhos da Igreja no passado e no presente.

Conheço, lecionei durante anos a história da Igreja e li muito sobre a história do mundo, do Ocidente e do Oriente, na PUC de Campinas. Escrevi livros sobre a “Presença da Igreja no Brasil — 1900/2000)” e “Do Fundador a João Paulo II”. Vivi, intensamente, como fiel, presbítero e bispo, a segunda metade do século XX e estou assistindo aos difíceis primeiros anos deste século. Quem melhor tem se saído é, graças a Deus, a Igreja em que fui batizado, que sempre amei e procurei servir no pastoreio, sem radicalismos, respeitando os não-católicos, pastores e evangélicos, judeus, kardecistas e maçons, com os quais me relacionei tanto em termos do Regional Sul 1 da CNBB, em nome do episcopado paulista, quanto na organização e acompanhamento do Movimento Fraterno de Igrejas Cristãs, o MOFIC, na Diocese de Jundiaí que pastoreei.

Desculpe o leitor essa referências pessoais. Este artigo deveria ser todo ele dedicado somente ao Papa João Paulo II que nestes dias agradeci a Deus, participando de seus funerais. Talvez volte, mais adiante, a tratar do profetismo, dos gestos proféticos de Karol Wojtyla. Não conheço outros Papas com a estatura moral, a vida exemplar e santa, a coragem deste Pontífice que já não temos. Atento às ordens de Cristo, divino fundador da Igreja e ao conselho do Apóstolo Paulo em sua Carta a Timóteo, João Paulo II proclamou a Palavra (de Deus não a própria ou a sua, a nossa e a de certos católicos) “oportuna e inoportunamente”. Ele o fez, sempre consciente de que não agradaria a todos por evangelizar, anunciando e testemunhando a verdade de Jesus Cristo e da própria Igreja. Poucos como João Paulo II “denunciaram todas as expressões da ‘cultura da morte’, permissiva e anti-natural, contra a vida dos ventres maternos à sua fase terminal, a dignidade humana, os direitos e deveres dos indivíduos e povos, também dos líderes do Ocidente e do Oriente, entre eles George W, Bush, Fernando Henrique Cardoso e sucessor. Quem proclamou como ele o direito à vida e ao trabalho, ao salário justo, a santidade e os valores da família?

Mas estou hoje sem espaço para pelo menos lembrar alguns dos seus gestos proféticos conhecidos por todos os que não são cegos: o beijo amigo no chão dos mais de 130 países que visitou, até correndo riscos de vida, a visita e o perdão levado à prisão romana, dialogando com o terrorista M. Ali Agca, seu quase assassino na Praça de São Pedro em maio de 1981, a doação aos favelados do Morro do Vidigal de seu anel que amais quiseram trocar por uma cesta básica de alimentos, a histórica audiência a Fidel Castro, no Vaticano e a visita a Cuba, seu “reino” desde 1959, os dois Encontros em Assis, o segundo com os 300 maiores líderes religiosos de todas as religiões, viajando à terra do Poverello com ele e de trem, para refletir e orar pela paz entre os homens e, ainda, as últimas lições que acaba de nos dar em sua lenta e sofrida agonia. “A benção, João de Deus”! Adeus e até breve!

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