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Publicado: Quarta-feira, 13 de julho de 2011

Princesas não choram. Nem brincam

Princesas não choram. Nem brincam
É importante confiar na genuinidade das crianças

Princesas não choram. Nem brincam

Folheando um álbum, me lembrei de uma festa infantil em um buffet. Era um domingo, próximo à hora do almoço e, por isso, além dos quitutes deliciosos, ofereceram também um prato quente.  Entre os convivas, as tradicionais expressões de “Humm, mas isso está muito bom, que delícia!” Ok, confesso, eu também estava lá, e não ia ser justo naquele domingo que eu haveria de começar uma dieta, rs. E têm razão os que reclamam que, por mais que caprichem na festa, sempre tem um abelhudo que sai descontente com alguma coisa. E o pior é que eu acabei saindo. Não exatamente descontente por mim, pois fui muitíssimo bem tratada, mas, sim, pela aniversariante. A pequena chorou e ficou agarrada ao pescoço dos pais a maior parte da festa. E fiquei tentando entender por que.

Considero que um som está alto quando não me permite ouvir nem falar com ninguém a meu lado. Sendo assim, aquele estava. Mas o problema era menos o volume do que a qualidade das músicas, cantadas, em sua maioria, por apresentadores de TV que vivem convidando as crianças a consumirem os mais variados produtos que levam suas marcas registradas. Foi impossível não comparar com a infância de tempos atrás, onde reverberava o som, verdadeiramente ao vivo, da gritaria do pique-esconde, das cantigas de roda e do Dolin Dolê. Som que vinha de dentro do desejo livre das crianças. Hoje, de filmadoras e laptops a conjuntos de maquiagem e sandálias de salto, as celebridades vendem de tudo, sendo a maioria produtos ligados ao mundo adulto. A estratégia parece ser a de abafar os sons da infância para fazer com que as crianças ingressem cada vez mais cedo no mercado de consumo.

Quando as crianças imitam (naturalmente) os adultos em suas brincadeiras, estão externando anseios, curiosidades ou mesmo elaborando temores a respeito do mundo no qual irão atuar mais tarde. É como se tocassem, assim, o futuro com as mãos. Muitíssimo diferente de adultos, movidos por interesses particulares, se adiantarem em sugerir o que as crianças devem imitar. A expressão genuína do desejo é a forma que temos de dizer ao mundo a que viemos, definindo-nos como indivíduos únicos, com aptidões e características próprias. Assim, quando adultos se antecipam em sugerir às crianças o que desejar, estão interferindo no curso natural da construção dessa identidade.

Vem-me a lembrança outra situação recente em um hotel onde um pai se afligia com o fato de seu filho de 3, 4 anos não querer participar de uma brincadeira na piscina com outras crianças. Como o garotinho insistia em permanecer acocorado no jardim, encantado com um comboio de formigas a carregarem suas folhinhas, seu pai lhe dizia repetidamente: “Porque você não brinca como as outras crianças? Por que só você tem que ser diferente?” É assim que, muitas vezes, jogamos a jóia fora e ficamos cultuando a embalagem. No aniversário da garotinha a que me refiro havia algo semelhante a essa tendência de alguns pais tentarem “sofisticar” os desejos simples dos filhos.

Ligaram-se, então, os brinquedos eletrônicos. De todos os lados, surgiram pais e mães convidando: “Olha, filhinha, o barquinho viking, quer ir?”, “Olha, filho, tem videogame!” Enquanto isso, a aniversariante chorava e a mãe consolava: “Veja só quanta coisa bonita na sua festa de princesa. Esqueceu que princesas não choram?” Havia de fato uma mãe carinhosa, um colo afetuoso e uma voz para consolar a criança, que bom! Mas creio que a pequena talvez estivesse reivindicando uma festa mais voltada para ela no sentido de algo sem um roteiro programado a cumprir, sem fotos com pose e, quem sabe, sem brinquedos que já estivessem sugerindo do que ela deveria brincar. É importante nos perguntarmos se uma festa assim vai ao encontro da expectativa genuína das crianças ou se, na verdade, está indo ao encontro do conceito adulto do que deva ser uma boa festa para elas.

Na hora de cortar o bolo, a princesa se demorou em surgir com os pais por trás de uma cortina cintilante de expectativas, gerando uma fila inquieta de convivas que se formou para aplaudi-la lado a lado no corredor de tapete vermelho. Surgiu a princesa, coisa mais linda! Na opinião de muitos, em função do vestido deslumbrante. Em minha opinião, pela carinha emburrada, pela coroa deslocada na cabeça como se tivesse tentado arrancá-la, pela raiva que ela parecia querer expressar por não poder se divertir de uma forma que ela só poderia explicar brincando. Nada contra os pais se esforçarem para dar o melhor para os filhos. Apenas é importante eles poderem confiar mais nas crianças e na capacidade delas de serem imensamente felizes com a imaginação que têm e com a alegria que sentem em compartilhar suas brincadeiras. Além do quê sai tão mais barato!

Um dos momentos que mais me chamou a atenção foi quando, ao final da festa (incrível como festa em buffet termina mesmo na hora exata, pá, pum!), a princesa resolveu, enfim, brincar, e justo na piscina de bolinhas.  E com aquela armação toda sob o vestido longo. Como se tivesse se dado conta de que os holofotes e as câmeras já estariam sendo desligados, pulou com tudo na piscina. E quando sentiu o vestido atrapalhando seus pulos, arrancou o saiote armado em dois tempos. Bendita era do velcro! Tive o privilégio de presenciar esse momento: seu rosto de criança iluminado num riso solto e sua energia subitamente retomada ao pular do jeito que bem queria. Uma princesa sem coroa, descabelada, sem saiote e de pernas para o ar! Sua festa parecia ter finalmente começado.

Imagino como deve ser difícil para os pais contentarem a gregos e troianos nesses aniversários, uma vez que é também uma oportunidade de compartilhar com os familiares e amigos a alegria de terem um filho tão amado. Porém, o ideal seria que as crianças pudessem se apropriar mais da festa. Dentro da imaginação delas e da capacidade que têm de incluir o outro em seu mundo, existe um arsenal infinito de diversões que, pela magia da crença infantil, são todas reais. Quando mergulhadas na fantasia, o cabo de vassoura é de fato o cavalo branco do príncipe, e a saia emprestada da mãe, com o toque mágico da alta costura imaginativa, aí sim, torna-se o vestido mais exuberante que a menina já vestiu.

Talvez a contratação de buffets com suas parafernálias eletrônicas dê aos pais a impressão de estarem oferecendo o melhor para os filhos, até pelo hábito de verem tantas outras festas iguais. Porém, o problema é que isso acaba levando o sentido da festa infantil mais para o lado do consumo, de comparações sobre qual festa foi a melhor e mais equipada. Pode também habituar as crianças a crerem que somente com uma festa cara e padronizada poderão ter realmente um feliz aniversário. Quando elas ligam o botão do brinquedo eletr&oci

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