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Publicado: Quarta-feira, 8 de março de 2006

Primado da Democracia?

Introduzindo uma reflexão sobre as principais soluções em busca de uma sociedade com menos injustiça social, acenei à democracia como a forma de governo que mais respeita o primado humano na sociedade, reconhecendo que o "governo do povo, pelo povo e para o povo" supera os outros regimes políticos. É uma das lições da história, parecendo atualmente um ponto comum na possível construção de uma sociedade menos desigual.

Em geral as monarquias centralizaram na pessoa do rei a totalidade do poder, não raro degenerando em ditaduras. "O Estado sou eu" foi a forma dominante de governo até a Revolução Francesa. Sem normas constitucionais que limitassem o poder real, algum bem e muitas injustiças foram cometidas em todo o mundo durante milênios. O trinômio da Revolução Francesa (1879), - "Igualdade, Liberdade e Fraternidade" - não conseguiu impor-se na Europa dos séculos 18 ao 21.

Foi a 2a Guerra Mundial (1939-1945) que acabou afirmando o primado da democracia e impondo formas democráticas de governo, que freqüentemente descambaram para a demagogia e as ditaduras. Quem ouviu ou leu as célebres mensagens natalinas do Papa Pio XII, sabe que a partir daí a Igreja Católica tem se empenhado a fundo no caminho da democracia, mesmo desagradando a muitos. Foram lições magistrais do sábio Pontífice, que enfrentou tanto o nazismo quanto a ameaça do comunismo. Sem democracia não há igualdade de oportunidades, nem uma justa distribuição dos bens produzidos em favor de todos e não só de uma minoria.

É preciso distinguir a democracia popular - roussoniana - e a democracia democrata cristã. Nesta a fonte última do poder é o próprio Deus enquanto naquela, desconsiderada a autoridade divina, é o povo. Foi no século 16 que o grande jurista espanhol Francisco Suarez firmou a distinção entre uma e outra forma democrática. Em toda e qualquer democracia há direitos e deveres correspondentes. Quem ousará negar que foi a democracia cristã que permitiu a reconstrução da maioria das nações européias em questão de algumas décadas, após a 2a Guerra Mundial, afastando o totalitarismo e dando à Europa um lugar privilegiado entre as nações deste início de milênio?

Lamentavelmente marginalizada do poder, a democracia cristã não pode completar a construção da nova sociedade a que se propunha. A União Soviética acabou marginalizando povos inteiros e levando a humanidade a uma economia globalizada no egoísmo e não na solidariedade, para usar uma expressão do Papa João Paulo II.

Continuo sonhando com um mundo novo e democrático, menos desigual e sem classes, um "paraíso terrestre". A Doutrina Social da Igreja deve continuar sendo a aspiração suprema dos militantes políticos cristãos em todas as esferas do poder que, aliás, é serviço e não domínio, jamais uma exploração de quem quer que seja. A Doutrina Social da Igreja não só é possível, como também viável. É o caminho, a "terceira via" entre o liberalismo e marxismo, entre o neoliberalismo e o socialismo.

Há mais de 200 anos o capitalismo vem tentando construir um mundo novo, rivalizando com o socialismo. Não o conseguiu e duvido que conseguirá. Não teremos uma nova sociedade enquanto "tudo não for de todos", segundo a obra criadora de Deus. Os bens criados por Deus destinam-se a todos os homens e mulheres, não apenas a certas minorias há tanto tempo privilegiadas.

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