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Publicado: Quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Prezado Sr. Brás Cubas

Crédito: Divulgação Prezado Sr. Brás Cubas
É, Brás Cubas, quanta diferença! Quantas emoções!

Prezado Senhor Brás Cubas,

Fizemos o que foi possível... Lembra do Funcionários? Pois é, estamos vendo que a cidade toda vai ficar assim! É quase um quem tem dinheiro manda, quem não tem bate palma. Ou se muda para Praia Grande (sim, caro Brás, nem em São Vicente está sendo possível se morar).

Está quase tudo sendo novamente posto abaixo para construção de uns horrendos prédios e quase tudo o que foi feito no século XX está, aos poucos, ou perdendo valor, ou desaparecendo.

Justamente agora que a cidade estava ficando bonita. Hoje, 466 anos depois, o senhor precisa de ver como a cidade ficou bonita. Caprichamos na orla que, sinceramente, há poucos lugares no Brasil que tenha um lugar tão bonito. Igual, quem sabe, só na riviera francesa ou inglesa. E, mesmo assim, olhe lá! Palavra de inglês!

Aliás, foi um inglês que recentemente esteve aqui, o Ian, que falou que o lugar que ajudamos a criar é um dos mais bonitos do mundo. Se viesse da minha boca, o senhor até podia contestar. Mas foi da boca do Ian, caro Brás, do Ian. Ele nunca se sentiu tanto em casa!

Pois é, caro Brás, 466 anos depois, nunca fomos de humor tão britânico quanto nesses dias. Eu sei, eu sei que V.Sª. fica numa tristeza de morte por não herdarmos o mais profundo dos sentimentos ibéricos. Mas juro que não foi culpa minha, quando nasci a cidade já tinha esse jeito. Estamos mais para Brighton do que para Ilhéus. Tanto para o lado bom quanto para o ruim também.

Sabe, caro Brás, 466 anos depois, nunca fomos tão conservadores como somos atualmente. Uma cidade que já foi vanguarda, que já viveu o brilho de ser uma pequena moscou, que pensava para seus pares, que definitivamente era a terra da caridade e da liberdade, nunca foi tão reclusa do jeito que anda hoje.

Certo que você iria me dizer, pois é, caro Marcelo, enquanto a cidade respirava seus ares ibéricos, os artistas, políticos, as gentes dessa terra singravam os sete mares. Hoje em dia, olhe isso! Realmente, não sobrou muita coisa, nem traço do que isso era em tempos de outrora...

De certo, diria que isso foi coisa dos militares. De certo, diria que isso foi coisa do Clóvis Bandeira Brasil. De certo, diria que isso foi coisa costurada com esse DNA escravagista que o brasileiro, de uma forma em geral, possui. E tu bem sabes disso, caro Brás.

466 anos depois, caro Brás, apesar das torres e de uma cidade que não anda dando mais bom dia, estamos celebrando mais um janeiro que começou lá em 1546. Lembra daquele dia?! 26 de janeiro, lembra?! Apesar dos altos e baixos, fizemos um porto que ainda é o maior da América Ibérica, enfeitamos nossa praia, recebemos gentes de todos os lugares do mundo, continuamos sendo uma cidade de passagem.

E só insistimos em nossa teimosia e sobrevivemos a essas metamorfoses nefastas porque ainda temos o nosso pé em Brighton e decidimos não mais a ser Ilhéus. Caminhamos rumo a meio milênio de existência sem ficar beijando insistentemente o anel do Senhor Contratador.

Que Deus nos salve e nos proteja do mal! Sem largar a mão do nosso refinado humor de ironia. Caso contrário, nada disso que construímos teria chegado até aqui. Ah, isso também se não fosse por você, caro Brás! Lá naquele dia 26 de janeiro de 1546!

Saudações,

Marcelo

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