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Publicado: Sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Predomínio do Imaginário

Há cerca de dois anos escrevi Excesso de Ficção, crônica de plena atualidade que merece ser repetida com ligeiras adaptações, pois diz respeito à vida do brasileiro de classe média, maioria da população: a situação do Brasil é desconcertante.
 
Ao mesmo tempo em que o progresso tecnológico é imenso e acompanha o que há de mais avançado na Humanidade, a situação vivencial de sua população deixa muito a desejar. Só a mínima parcela de dez por cento usufrui o conforto material moderno, os noventa por cento restantes, se digladiando na fatigante luta pela vida.
 
Felizmente há os bem intencionados, que vislumbrando a situação e planejando formas de vencer esse maléfico estado de coisas, trabalham com humildade e entusiasmo, segurando a destra do Senhor, pronta para liquidar os iníquos.
 
É absolutamente necessário que existam esses abnegados, heróicos seres humanos concedidos pela Providência Divina para batalharem inclusive em prol de seus concidadãos.
 
Os noventa por cento, a que me referi acima, mergulhados na fatigante azáfama diária, se encontram, infelizmente, anestesiados pelo excesso de ficção que, energúmenos da pátria espalham a torto e a direita.
 
O grande invento do cinema e da sua co-irmã televisão, embasbacaram esses sacrificados noventa por cento que, não encontrando condições para real vida digna e confortável, são induzidos a se incorporarem a vida ficcional que essa tecnologia oferece!
 
Ao invés de enfrentarem a realidade e a vencerem, essa maioria (excetuada a minoria bem intencionada) caiu na ficção cinematográfica e televisiva e pauta a existência pelas fantasias que o midiático mundo lhes apresenta e sugestiona.
 
Com isso, direciona-se para a vida irreal do consumismo impossível (jamais terão condições para adquirir o que veem) e de novos costumes imorais, amplamente licenciosos. Se Marx vivesse em nossos tempos iria dizer que a televisão é o ópio do povo, não a religião.
 
Essa maioria, a que estamos nos referindo, ao chegar em casa, vai direto à televisão. Quer saber sobre as tragédias, crimes e barbaridades que acontecem pelo mundo ou optam pela ficção pura, mergulhando em filmes ou no maravilhoso universo das novelas, que se desenrola em sofisticados ambientes, plasmados pela dramaturgia e interpretados por excelentes atores, com realismo cru despido de qualquer pudor.
 
Amantes dos esportes, especialmente do futebol, se distraem com as intermináveis e repetitivas opiniões, nas chamadas mesas redondas, flashes de jogos, entrevistas com jogadores etc.
 
Os mais bem atualizados, além dos filmes em canais a cabo e devedês partem para os computadores, navegando pela internet, descobrindo, sobretudo, outras atividades ficcionais ou os últimos segredos dos telefones celulares, ipods et caterva.
 
A repetição é diária. A atividade ficcional passa a ser modelo e é entronizada como padrão de vida. Como a distância entre a ficção e a realidade é incomensurável, segue-se que as decepções e frustrações serão contínuas e permanentes.
 
Pode-se começar a entender porque as perspectivas de melhora da vida em geral são remotas ou excessivamente lentas. Enquanto não se resolver eliminar ou, ao menos, restringir esse edulcoroso hábito que permite ao imaginário predominar, desacertos, frustrações, decepções continuarão integrando fartamente o nosso cotidiano.
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