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Publicado: Segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Prazer sexual e igreja: sofismas

Não são poucos os que se deixam impressionar por sofismas. São meias verdades que têm algo de válido e algo de errado, ou pelo menos de omisso. A cada dia jornais, revistas, informativos de televisão e outros meios de comunicação social, usam e abusam dessa distorcida informação, os sofismas, conhecidos muito antes de Cristo.

Tenho diante de mim, em minha mesa de trabalho, dois artigos.

É fácil ao historiador e a quem tenha um mínimo de senso crítico, relativisar o que neles afirmam os seus autores. O primeiro deles é de 15 de outubro último, de conhecido ex-franciscano e tem o título “Prazer Sexual e Igreja”, divulgado por certo jornal de Goiânia. O segundo está na edição da “Folha de S. Paulo” de 17 de novembro passado, na página A-3.

Enfocando o grave problema dos anencéfalos, afirma que a “ordem jurídica em um Estado de Direito não pode se converter na voz exclusiva da moral católica ou de qualquer religião”. É assinado pelo professor e constitucionalista Daniel Sarmento, em parceria com Flávia Piovesan, Procuradora do Estado e, também, pro dolor, docente na PUC de São Paulo.

O espaço de que disponho não me permite uma reflexão abrangente, como mereceriam os dois artigos. Mas em consciência tenho o dever de pontualizar e colocar alguns pingos nos “ís”, ajudando o leitor a refletir. L. B., muito conhecido entre nós por seus livros e posicionamentos, por seu complexo “anti-romano”, pretende convencer os que lerem o referido artigo, que “a Igreja católica possui fobia sexual e trata temas de moral familiar e da sexualidade com excessivo rigor”.

Para ele uma é a “linha bíblica” que vê no sexo e no prazer um valor e outra é a posição da Igreja, diretriz oposta, em que predomina a negatividade “por causa da influência poderosa que o gênio de Santo Agostinho exerceu sobre toda a Igreja Romana”. Refere-se, mais adiante, ao livro da italiana Maria Caterina Jacobelli, publicado este ano, em Brescia, tratando do “fundamento teológico do prazer sexual”, aludindo ao que chama de “risus paschalis”, posição de alguns presbíteros que incentivava, em algumas nações da Europa uma espécie de explosão da sexualidade por ocasião (sic!) da celebração da Páscoa do Senhor, de sua Ressurreição!

De fato o grande Bispo de Hipona, na África dos séculos IV e V (354-430), depois de anos de boemia e desmandos em sua conduta sexual, convertido ao cristianismo, monge, presbítero e bispo da Igreja, alerta em seus “Solilóquios”, para abusos de “carícias sensuais nas relações corporais que fazem parte do matrimônio”. Não é preciso ser muito inteligente para saber que sempre houve e continua havendo, na intimidade sexual de não poucos casados, excessos e até mesmo comportamentos contra a dignidade da mulher, em que a esposa foi e continua sendo usada e abusada por certos maridos.

O grande Agostinho de Hipona sabia disso por experiência própria, antes de sua conversão, chegando mesmo a ter um filho, Deodato, sem ser casado. As preces e lágrimas de sua santa mãe, Mônica, o levaram a acabar sobrepondo em sua vida e escritos outros valores ao sexo, também ele, entretanto, um valor no amoroso plano de Deus Criador. Recomendo ao leitor que se debruce sobre os comentários de Santo Agostinho e de tantos outros Padres da Igreja, sobre a instituição divina do casamento e da família, ordenando Deus ao homem e à mulher que se casem e gerem filhos o que, certamente, envolvia o direito a relações sexuais legítimas e honestas, ao prazer, na intimidade da vida do casal.

Deus assim quis e a Igreja sempre se referiu ao “débito conjugal”, grave dever dos que se casaram à vida sexual, o que acontece em meio ao prazer que santifica tanto o marido quanto a esposa. Recomendo a quem me lê, que tenha em suas mãos, para citar apenas dois importantíssimos documentos da Igreja Católica, de altíssimo nível, a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II e algumas páginas pelo menos do novo recente “Catecismo da Igreja Católica” (parágrafos 2332 a 2336).

O que a Igreja desde as suas origens vem repetindo é que, sendo legítimo e de instituição divina, o matrimônio é o caminho normal da absoluta maioria dos homens e mulheres, e que a sexualidade, bem mais ampla que a genitalidade, incluído o prazer sexual no leito nupcial, sempre que realizado em clima de respeito e amor, é não só um direito mas um dever dos cônjuges. A renúncia ao casamento “por amor ao Reino dos Céus” foi opção pessoal de Cristo, dos Apóstolos João e Paulo, de milhares de outros nestes vinte séculos de cristianismo, como um novo desafiador caminho de vida para grande número de jovens. Mas esta é outra questão, e “quem puder compreender, compreenda” (Mt 19,12). Há, sem dúvida, outros valores maiores que os da sexualidade, da vida sexual e do prazer entre o homem e a mulher.

Quanto ao artigo “STF e Anencefalia” lembro, de passagem, aos doutores, professores e constitucionalistas, seus autores, que “a ordem jurídica em um Estado de Direito”, se não deve “se converter na voz exclusiva da moral católica ou de qualquer religião”, certamente não pode estar em contradição com os postulados do direito natural. Devem os autores do referido artigo saber disso, aliás, tese da absoluta maioria dos juristas que se afastam de discutíveis posições relativistas e positivistas, na formulação das leis do direito civil ou positivo.

Negá-lo é sintonizar com o “L‘Etat c’est moi — O Estado sou eu”, de reis absolutistas de séculos atrás e dos ditadores dos nossos dias, dos Estados que teimam em proclamar-se laicos.

Se a Igreja Católica e seus Pastores proclamam o direito à vida dos nascituros, incluídos os inocentes e indefesos anencéfalos, ela o faz não só por seu apreço à vida, o mais fundamental de todos os direitos mas, também, porque se sente credenciada e obrigada a proclamar os perenes e universais valores do direito natural. Respeitosamente, aconselho aos ilustres juristas a leitura de alguns livros, entre eles de André Franco Montoro, Alceu Amoroso Lima, José Pedro Galvão de Souza, Clóvis Lema, Ricardo Dib e tantos outros, renomados no Brasil, na América e no mundo.
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