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Publicado: Quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Pelo direito de dormir

Crédito: http://inerciadepressiva.blogspot.com.br Pelo direito de dormir

CINCO E VINTE DA MANHÃ de domingo. Ninguém dormiu na madrugada. A título de promover um evento religioso, a paróquia localizada no Jardim Nova Era, em Salto/SP, reuniu mais de uma centena de jovens que cantaram e gritaram durante toda a madrugada, ao som de bateria e guitarra amplificados. Durante doze horas – das 18h às 6h – os moradores do entorno foram supliciados sem piedade.

Que organizadores são esses que levam os jovens ao desrespeito ao próximo?

As exaltações se estenderam pelos três dias seguintes, no chamado “Rebanhão de Carnaval”. Segundo alguns participantes, aqueles jovens estavam “cantando e louvando ao senhor, para que todos tenham uma vida maravilhosa no céu, ao lado dele”.

Esplêndido! A grande questão é como ter uma vida maravilhosa na terra, quando o próprio inferno se instala a poucos metros dos seus ouvidos.

A polêmica sobre o excesso de barulho – contínuo e em horários impróprios - acompanha as igrejas pentecostais, evangélicas e os terreiros de umbanda e candomblé, que alegam intolerância e perseguição religiosa.

Sobre o assunto, o cantor gospel Luiz Artur Mira, publicou há alguns anos em seu perfil no Facebook: “Deus não é surdo”. Foi desancado por seus pares.

O excesso de ruído é prejudicial à saúde. Som alto provoca surdez, stress, nervosismo, irritabilidade e distúrbios psíquicos. Isso todo mundo já sabe. Será?

O que os participantes dos louvores parecem desconhecer é que o recurso, aliado à longa duração, fragiliza e cansa, o que torna o sujeito mais aberto à lavagem cerebral.

O chamado “intensivão” envolve os participantes num intenso programa de atividades que incluem palestras, celebrações e tarefas, como distribuir panfletos, limpar o local e produzir refeições.

Imerso numa rotina que geralmente prevê poucas horas de sono ou longas jornadas de trabalho, o integrante não tem tempo para pensar sobre o que, de fato, está ocorrendo. É o mesmo recurso utilizado por alguns vendedores ou palestrantes motivacionais.

A neurologista Kathleen Taylor, da Universidade de Oxford, explica que quando algo provoca uma reação emocional, o cérebro se mobiliza para lidar com ela, destinando poucos recursos às reflexões. É nessa hora que a emoção pode ser ligada a uma ideia, e o indivíduo se torna cada vez mais envolvido e dependente da doutrina ou de quaisquer ensinamentos que lhe sejam oferecidos.

Vítimas de controle da mente aprendem a reprimir pensamentos “errados”, como dúvidas ou críticas ao grupo, e dificilmente questionam sua situação. De forma lenta e gradual, os “ensinamentos” são internalizados.

Desenvolver a criatividade, pensar sobre a vida, questionar o que é ouvido, lido e visto, aprender coisas novas e estudar as relações entre assuntos aparentemente antagônicos, deixa o cérebro mais resistente a manipulações.

Um dos bens mais preciosos da humanidade é a liberdade de pensamento e de escolha. A medida final é o direito do próximo – que seja apenas o de dormir “na santa paz do senhor”.

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